domingo, 8 de abril de 2012

Ódio...20 anos depois

Tal como ficou demonstrado na reportagem da euronews ,a Bósnia "desalcança" a paz.
A propósito de uma história de que falei no DN de há uns anos e no livro "da guerra e outros poemas", Neven S., um nacionalista de etnia croata tentou arrasar-nos no fb, a mim e a uma bósnia exilada no Canadá. Já o bloqueámos e participámos dele. No entanto, é assim que pode eclodir, de novo, a guerra: pela negação dos factos.
Segundo esse "facho" que se exibe numa foto em calções, a abraçar tigres bebé, a comunidade judaica de Sarajevo saiu, integralmente, de autocarro de Sarajevo, em 92. Foram todos usufruir de uma bela e luxuosa vida em Telavive.
Estranho imenso que este croata mantenha o mesmo comportamento negativista do chefe muçulmano da comunidade bósnia. Foi uma surpresa, para mim, estarem ainda tão atiçados contra os sefarditas.
Não tenho aqui o DN para reproduzir, mas deixo-vos o poema em que foco a questão. Vivia menos de metade da comunidade judaica de Sarajevo quando lá estive, em 93, creio. Muitos partiram mas outros foram mortos. Negá-lo é admitir nacionalismos e crimes de guerra que era tempo de estarem resolvidos. ´


No dia 26 de agosto de 1995 escrevi:

Há mil dias que Sarajevo chora
e ao mundo implora um gesto seu

como se os fósseis, de repente,
desatassem a viver
e as núvens fizessem de fofo ninho
para os bebés dormirem
e os deuses pudesse comer à nossa mesa
e com as nossas lágrimas na garganta

Há mil dias e mil noites que se ignora
que há espanto na morte
na sorte que Sarajevo implora
em cada minuto que sofre

Aniversário do luto europeu
do frio que esventra campas nos estádios
do sacrifício do povo judeu
que mais uma vez
selou todos os lábios

Muçulmanos, sérvios, croatas
todos clamam estandartes e cores várias
e os últimos judeus de Sarajevo
que falam, quem diria, português
morrem silenciosos como viveram
estigmatizados
sem lugar nem vez

Mil dias e mil noites de clamor
e neve vermelha nos mercados
e fantasmas de fogo e de horror
e ódios de futuros já inválidos
e lenha a arder de antigos móveis
lares em pedaços como as pessoas
que dos mil e quinhentos meninos mortos
recordam apenas as coisas boas

Mil dias e mil noites de teatro
de luta poética de escritores
muitos a quem os dedos já roubaram
para que da morte não sejam delatores

Mil manhãs absurdas
mil noites trágicas
em que turcas culturas mágicas
na velha baixa muçulmana
na biblioteca e no museu
arderam depois de bombardeadas

E se nos buracos das granadas
dos obuses que atravessaram
as paredes de meio metro do Parlamento
viver algum duende mais atento
o povo bósnio espera que lhe guarde
a alma e o talento dos seus músicos
para que, quem lá sobreviva
recorde o que hoje não querem que se viva

há mil dias e há mil noites.

Sem comentários: