Por mero acaso, dei com a garagem de uns Heróis sem Tempo que faziam o indizível: ir, debaixo de fogo, às franjas da cidade de Sarajevo, procurar cadáveres e feridos graves. As carrinhas em que o faziam estavam pintadas com umas toscas cruzes e uns crescentes vermelhos (mas a organização Cruz Vermelha/Crescente Vermelho não tinha nada a ver com isto) e os motoristas - pelo menos aquele com quem falei e na carrinha do qual entrei - deviam alimentar-se a adrenalina e tabaco. Pelo chão havia uns recipientes com um líquido de cor duvidosa e uma esfregona já negra...
Como todos, naquela guerra, o homem de serviço era rádio-amador e assim sabia onde socorrer quem necessitava, nos piores momentos. Não fazia um torniquete, não fazia talas, conduzia. Colocava as pessoas dentro da viatura e conduzia o melhor e mais rápido que podia.
Naquele entardecer estava sozinho, as baixas neste conhecido contingente de "suicidas" tinha levado os outros. Não havia macas, nem oxigénio, nem médicos, nem enfermeiros. O cidadão ia "empilhar" o mais que pudesse dentro do veículo, num voo rasteirinho, levava a carga ao hospital e tentava chegar vivo à garagem. Quantos mais conseguisse transportar, quanto mais depressa os depositasse nas urgências do Kosova, mais depressa entraria na garagem para recomeçar o ciclo infernal.
Recebeu instuções enquanto falava comigo e empurrou-me para eu sair. Mostrei-lhe a câmara, implorei-lhe que me levasse para fotografar e gravar mas ele, impertubável, pôs-me fora da carrinha e sublinhou o perigo. Era algo que tinha de fazer sozinho.
Ainda bem que, naquele dia, alguém me disse NÃO.
terça-feira, 17 de abril de 2012
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