segunda-feira, 23 de abril de 2012


Era tão fácil! Teoricamente era tão fácil ir ao Afeganistão. Em Sarajevo, o Jorge contou-nos ter passado nove anos no Afeganistão, introduzia-nos no país e enviava-nos aos seus contactos, e eu e o Ibrahim faríamos a reportagem sozinhos. Eu iria vestida de homem, com sobrancelhas e barba postiças, assumindo que era mudo e ajudante. O Ibrahim havia de recorrer a um guia da região, mas estaríamos juntos.
Passámos o fim de uma tarde até a noite ir alta, no Holliday Inn de Sarajevo, a discutir os pormenores, as ajudas, as redes de informação. Nunca admitimos poder estar a ser alvo de espionagem. Sabíamos que muitos mercenários da informação se faziam passar por escritores, jornalistas, humanitários...mas a nós? Que raio importávamos nós e a quem?
Uma ingenuidade fatal.
O plano era, se sobrevivêssemos a Sarajevo, cumprir os contratos respetivos, no Sudão e em Angola, e depois partir juntos para o Afeganistão.
O Miguel-Angel desconfiou. O Arturo, veterano de 16 guerras, já se via a escrever romances em Madrid, pantufinha calçada, o Pinto Amaral só me dizia: "sai daqui, João, não há futuro em Sarajevo, fizeste o melhor que podias..."
E o Jorge insistia, naquela mescla de espanhol e italiano, e eu e o Ibrahim caímos na história que nem uns patinhos. A guerra do Afeganistão só durou 8 anos. Mas quem fazia conta a anos e a tempos de guerra, quando o compasso da respiração era o que mais importava? Manter-se vivo?
Nunca chegou a haver Afeganistão para nós. Eu parti no velho jipe da BBC para Split e depois para Angola, onde sofri um atentado, mas safei-me. O Ibrahim, não. Disseram-me depois em Angola.
Foi o último pedaço de mim que deixei para ir buscar a Sarajevo, um dia, o meu sonho de paz na guerra.
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Sapatinho na mesquita
não há pé p'ra te calçar
voou numa alma aflita
que lia o Corão a chorar

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