domingo, 22 de abril de 2012

Artifício de amor em tempo de guerra

O pior que pode acontecer a uma alma distraída é a paixão. Amor em tempo de guerra é mais difícil ainda. Não perguntamos, um ao outro, o que vais fazer amanhã, já que não podes vir ter comigo. Perguntamos: vais a Dobrijna com civis, jornalistas ou só com o teu fixer?
E ele, olha-me apaixonado e assegura-me, com beijinhos: eu volto, descansa....mas tu não vais sair, está bem?
Claro que vou, claro que estou aqui para fazer reportagens...mas....verdade verdade, eu não quero perder o meu conforto, o berbere mais lindo do mundo que todos tentaram matar, no Cairo e em Sarajevo. Dou-lhe uns beijinhos arrepenicados pela cicatriz fora, desde o ombro esquerdo ao antebraço até ao pulso, o braço que segura a câmara e que alguém tentou desfazer a tiros.
Sinto-me a pessoa mais desejada do mundo. Quando começou o carrocel diário dos fugitivos para a cave, com almofadas, não fomos. Eu, aliás, não conheço nenhum abrigo, não estive em nenhum...
A minha históra de amor em tempo de guerra não podia ter sido mais bonita, tínhamos os corredores para nós e as casas de banho da CNN, que tinham garrafinhas de água, o tal precioso líquido a que, alguns não davam importância. Lavávamo-nos um ao outro como se fossemos os guardiães da água. E redistribuiamo-la a seguir.
O Ibraihm era o primeiro não ocidental que eu conhecia no sentido bíblico. Não havia nada que eu não gostasse nele, como profissional, amigo, irmão, amante.
Acabamos por nos sentir os donos dos corredores do efifício da TV bósnia, bombardeado continuamente.
Um dia, muito abraçados, retirámos as proteções de uma janela e ficámos a ver as explosões. Como quem vê fogo de artifício. E de repente, uma enorme trovoada criou um tal fait divers que todas as frentes em guerra começaram a responder ao que achavam que era provocação dos outros. Uma louca provocação natural de relâmpagos e trovoada. Nem os guerreiros assassinos estavam prontos para isso.
Eu e o Ibrahim ríamos à gargalhada. Cada trovoada, antes da resposta com as armas, dava direito a mais beijinhos
Foi o bombardeamento mais surrealista da minha vida.

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