A detenção do líder militar dos sérvios bósnios, acusado de genocídio e de ter feito o cerco de 43 meses a Sarajevo, durante a guerra na Bósnia de 1992 a 1995, e o massacre de Srebrenica em que foram executados cerca de 8000 homens e rapazes muçulmanos bósnios, em 1995, era esperada há vários anos, e era considerada uma condição essencial para uma futura adesão da Sérvia à União Europeia. Há 16 anos que Ratko Mladic era procurado.. e há 16 anos que as autoridades fingiam desconhecer o paradeiro do maior símbolo dos nacionalistas do país. A rede tecida à sua volta, uma rede de apoios policiais e de segurança militar, envolvia, permanentente, 70 a 90 pessoas, dependendo das circunstâncias. Mladic não vivia em fuga; vivia protegido. Quando havia uma entrada no território guardado - mais no tempo de Carla Del Ponte e das buscas que também se faziam por Karadic (que aguarda o amigo na prisão do Tribunal de Haia), a mensagem antecedia a vinda dos capacetes azuis como se os pombos-correio tivessem sido largados em plena floresta, em todas as aldeias, quartéis e sedes da polícia.
O cerco a Sarajevo fez cerca de 12 mil mortos. Eu vi, eu estava lá.
Eu fugia como um coelho (desde a guerra da Croácia) a cada reflexo de metal ao sol e os evólucros sempre se cravaram a uns centímetros de mim. Na Croácia eu, e todos os camaradas de profissão, valíamos 500 marcos; as crianças, 350; e os civis adultos 150 ou 200...depedendo do militar que pagava. Na Bósnia não foi assim. Mladic convenceu os nacionalistas de que era preciso fazer bons fins de semana de tiro ao alvo, em Sarajevo, para as matanças do exército ficarem em segredo, para a fome da população não ser tida em conta, para a violação das mulheres e raparigas muçulmanas continuar abrangida por essa 'omertá' dos assassinos e para os sérvios consolidarem a sua nação.
Tremíamos todos como meninos ao frio sempre que tínhamos de sair em reportagem. Obrigavam-nos a tapar as matrículas dos veículos com cartões onde se inscrevia PRESS TV ou PRESS apenas e percebíamos que estavam a seguir os nossos movimentos na garagem exterior da televisão enquanto pendurávamos as placas. Em dia bom não morria nenhum de nós. No dia da minha chegada foi dia de ataque à virilha de um dos correspondentes da BBC que caiu 200 metros à minha frente.
Mladic é o "homem" que deu a ordem de razia.
Desrespeitava completamente os acordos entre as quatro partes (sim, além da sérvia, da muçulmana e da croata/bósnia havia a UNPROFOM - United Nations Protection Force, que não servia para coisa nenhuma) que vigoravam durante o cerco, Por exemplo, quando cheguei (depois de muita peripécia e morte à minha volta) fui para o Holliday Inn, quarto 25. Entrei pela cozinha debaixo de fogo. Avisaram-me logo que os voluntários das ONG's internacionais, os guias, os escritores e os jornalistas estrangeiros só ocupavam até ao segundo andar porque, para cima, éramos alvo de bombardeamentos.
Quando o meu quarto foi atingido por um obus (eu estava na "festa" (bar e copos) de despedida dos italianos e de um grego percebi que, durante a noite, os nacionalistas subiam as escadas em silêmcio e iam disparar dos outros andares. O que recebíamos de volta eram apenas respostas.
Todos os soldados se embebedavam com grog, daí ser muito difícil fazer com que algum largasse a arma para dialogar.
Eram os homens de Mladic, homens de mão e assassinos. Imaginem, um a um, todos os rapazinhos de Srebreniza a descerem para a vala onde já estavam os corpos dos pais.
A Europa que hoje se regozija não viu, estava distraída.
quinta-feira, 26 de maio de 2011
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