Pensei descontinuar este blog muitas vezes, nos últimos anos. Desapeteceu-me escrever, revolucionária e exigente como fui, e parecia servir-me do meio como se de um muro de lamentações se tratasse. Não me aprazia de todo... A série dos Heróis Sem Tempo não acaba (gostaria que sim...). Sarajevo continua, 21 anos depois, com todos os traumas dos sobreviventes que me escrevem e dos grupos com quem mantenho algum intercâmbio. Não sei o que se vai passar, se descontinuo ou não.
Mas hoje, mais uma vez, um Herói sem Tempo partiu para o jardim daqueles onde ainda não chegamos e, por isso, não podemos descrever.
Mas, garanto-vos que esta heroína, a quem chamávamos Mandaleta (termos açorianos, inventados, japoneses mal amanhados, abaixo de gererala, tá bem de se ver) merece que a lembrem.
Foi diretora de uma escola de surdos mudos - quando o marido, continental de Castelo Branco, a conheceu. O amor foi tão evidente e profundo que os meninos e meninas o esperavam (quando ele a ia buscar) para lhe ensinarem a linguagem essencial, depois da mímica.
O Quim, bom garfo, bom companheiro, contáva-nos estas histórias com os olhos brilhantes de amor.
Antes de ir jantar lá a casa passei, com a Judite, na nossa casa da Rua de Lisboa 19 e o isqueiro com que alumiava a falsa (sotão) saltou e estourou.
Regressei à Universidade a Lisboa e ele morreu, aos 40 anos, depois desta tempestade estranhíssima em que a eletricidade foi abaixo em toda a Ponta Delgada.
Sonhei com ele, antes. Tinha-me fritado uns carapauzinhos frescos e tinha tido os amigos à minha espera em Ponta Delgada a uma segunda-feira.
Os voos tinham sido anulados e tive direito a carapaus de escabeche à chegada, na quarta, porque não éramos esquisitos. Importante era estarmos juntos.
Lembro-me imenso do jardim e dos coelhos anões, angorás, giríssimos.
Hoje, aqui em Lyon, França, depois da chuva quase tropical e de uma humidade pesada, dei por mim a arrancar ervas no meu microparaíso e a dizer à "Noisette" (coelha) que o Quim não iria gostar de tanta erva a crescer assim à parva. E a Judite...aquela que trouxe, através dos filhos (Beatriz e o António Joaquim), a memória dos bons tempos, da energia dos vulcões e da lenda das Sete Cidades, assim como aos meus amigos, a quem enviei de visita como se fosse o "Papa do Vaticano dos Açores" (que me desculpe o nosso amigo Mota Amaral, colega da Mãe), dessa ilha em que ela foi o maior vulcão de energia impulsiva para quem ia caindo, de doença, depressão, viagens de amor ou velhice.
A Judite, profundamente minha, profundamente açoriana, gostava dos percebes da Figueira (mesmo doente, o Buzz, amigo Pereira da Fonte, e sua adorável Mãe arranjavam maneira para tudo arranjar, ou os amigos da minha filha pescavam os percebes, e gostava de maracujá, figos, ananás e queijo fresco. O Buzz chegou a trazer os melhores maracujás do quintal da casa..
A última vez que saí com ela, a Nara e o João, para ver o nosso Migues (Miguel Borges, na inesquecível interpretação na peça "A Morte de Danton", no D. Maria II, de Georg Büchner), bebemos ginginha e fomos, a seguir ao caldo verde e ao tinto.
A vida é assim, Judite. É hoje. E eu amo-te com a força com que o sangue me corre nas veias: até à exclusão de tudo o que tiver no corpo. A alma, afinal, somos nós todos, os amigos, a família, os animais e a relva. Do meu microparaíso apenas não vislumbro o teu...é só.
1 comentário:
Um abraço, Joãozinha!
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