Jornal O País
Francisco da Cruz e dois sócios são acusados de lesarem os interesses angolanos emais de 150 milhões de dólares
A Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciou esta semana, em Luanda, que apresentou uma queixa-crime contra o advogado português Francisco Maria Guerreiro da Cruz Martins, do escritório Gomes da Silva, Cruz Martins, Campos, Gandarez & Associados.
O comunicado da PGR, que foi divulgado na segunda-feira, 7, especifica que o acusado terá lesado os interesses do Estado angolano em mais de 150 milhões de dólares. Ao causídico foi confiada uma tarefa profissional “em determinado momento histórico”, assim como outros intervenientes da referida missão, cujos nomes a PGR não avançou ainda. As autoridades angolanas, que acreditam num excelente desempenho das instituições judiciais lusas neste caso, serão representadas pelo escritório de advogados Amaral Blanco, Portela Duarte e Associados (ABPD), de José Ramada Couto.
Tendo em conta a especificidade do assunto, as autoridades judiciais portuguesas criaram uma equipa de investigação especial da Unidade de Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária local. Pelo menos sete testemunhas, incluindo angolanas, terão sido ouvidas pelo Procurador Orlando Figueira e, segundo a imprensa portuguesa, tudo indica que o processo não será arquivado, porque há indícios de que haverá arguidos. Em Portugal, a imprensa aventa a hipótese de o Procurador-Geral da República, João Maria Moreira de Sousa, deslocar-se a este país ainda este mês para um encontro com o seu homólogo português Pinto Monteiro.
Em Agosto, o jornal Expresso Dani Costa havia confirmado junto da Procuradoria-Geral a denúncia apresentada pela sua congénere angolana, referente “a compras de acções do Banco Internacional do Funchal (BANIF) e que o caso diz respeito a um acordo feito em 1994” para que se adquirissem até 49 por cento desta instituição financeira.
De acordo com o mesmo periódico, numa primeira fase o Estado angolano transferiu cerca de 70 milhões de euros para tomar uma posição relevante no BANIF, uma instituição financeira fundada e detida maioritariamente pelo empresário Horácio Roque, ex-companheiro da antiga secretária da UNITA para as Questões Económicas, Fátima Roque. Outras movimentações financeiras seguiramse perfazendo aproximadamente 100 milhões de dólares. O acusado, Francisco Cruz Martins, foi entre 1994 e 2000 administrador não executivo do banco em questão. Foi neste período, segundo o Expresso na sua edição de 22 de Agosto, que o Estado manifestava os primeiros interesses de investir no sector bancário em Portugal.
As acções que representavam nunca chegaram a pertencer ao Estado angolano. E no ano passado as autoridades angolanas apresentaram a primeira denúncia à PGR portuguesa, para descobrir o paradeiro do dinheiro. Os jornais portugueses apontaram nos últimos dias, os nomes dos outros dois supostos intervenientes do processo, os empresários António Figueiredo, líder do grupo ETE, e Eduardo Capelo Morais, dois antigos membros do Conselho Consultivo do Banco.
O último terá sofrido um acidente em Junho deste ano na Sardenha, onde sofreu lesões graves, uma paragem cardíaca, esteve em coma induzido e corre o risco de ficar paraplégico. Os três, nomeadamente Cruz Martins, António Figueiredo e Eduardo Morais representavam empresas que detinham mais de 20 por cento das acções do banco.
Segundo o diário português I, “Francisco Cruz Martins e António Figueiredo compraram acções do banco. De resto, o advogado enviou para Angola uma nota de honorários no valor de 19 milhões de euros, reclamando o pagamento dos seus serviços: justamente a compra de 49 por cento do BANIF”. “Se as acções foram de facto compradas com o dinheiro de Angola, é evidente que o Estado reclame a correspondente participação no capital social do BANIF. O desejo é ter acções”, avançou ainda o I, na sua edição terça-feira, 8, citando uma fonte alegadamente angolana, que conhece os meandros deste negócio.
Aos órgãos de informação do seu país, o principal suspeito da burla, o advogado Francisco Cruz Martins, não comenta sequer se esteve envolvido ou não no negócio. Diz mesmo que estranhou que “haja qualquer queixa na ProcuradoriaGeral da República, uma vez que nunca fui notificado sobre qualquer situação semelhante”. “Pode haver quem esteja a desviar atenções de outras coisas e isto não quer dizer que o Estado em questão não tenha tido qualquer relação menos correcta com alguém.
Comigo, contudo, não foi”, revelou recentemente, em território luso, o acusado, acrescentando que “não creio que seja eu o alvo correcto de semelhante acusação. A ser verdade que assim seja em juízo se provará que há um lapso quanto à pessoa do acusado e quanto aos factos imputados ao mesmo.
Que outros tenham praticado tais actos, posso admitir”. O suspeito considera que “qualquer movimento bancário por mim realizado está registado nos bancos envolvidos e essas acusações podem ser facilmente comprovadas ou infirmadas”. E garantiu em relação ao BANIF: “as participações que tenho ou tive são da minha exclusiva responsabilidade em todos os sentidos”.
Horácio Roque apontado como envolvido
Esta semana o Correio da Manhã, outro jornal português, adiantou o nome de Horácio Roque, presidente do BANIF, como um dos envolvidos na queixa-crime apresentada pelo Estado angolano, por causa do desaparecimento dos mais de 150 milhões de dólares. Horácio Roque, um empresário que iniciou a sua actividade empresarial em Angola e considerado nos tempos do conflito armado como próximo da rebelião armada dirigida pela UNITA, diz que só teve conhecimento do assunto há um ano.
“Nunca comprei ou vendi nada ao Estado angolano. Quem andou com o dinheiro nas mãos é que deve explicar onde ele está”, defendeu-se o empresário: “Nunca fiz tal negócio com o Estado angolano. Se foram enganados, não foi por mim. Falei com todos (Cruz Martins e os outros dois empresários) e garantiram que não havia problema nenhum. Juntos tinham 20 e tal por cento. Nunca tiveram 49 por cento”. Num outro órgão, o responsável do BANIF salientou que “embora não tenha sido formalmente informado de nenhuma investigação ou queixa, estou disponível para prestar qualquer esclarecimento que seja necessário”.
“Nunca fui informado de que os cidadãos portugueses que compraram acções no BANIF representavam o Estado angolano, nem sequer sonhei com isso”, disse ainda o empresário, admitindo que o advogado Francisco Cruz Martins, a figura principal do processo, “comprou acções no banco e exerceu os correspondentes direitos até 1999 na Assembleia Geral”.
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