Entrevista
EXCLUSIVO – Laurent Gbagbo defende recontagem dos votos
A Costa do Marfim está à beira da guerra civil. A ONU teme violências étnicas. Laurent Gbagbo não quer deixar o poder. Considera ter ganho as eleições presidenciais de Novembro, apoiando-se no veredicto do Conselho Constitucional.
A comunidade internacional contesta a legitimidade de Gbabo e considera que Alassane Ouattara é o novo presidente do país.
Em Abidjan para a euronews, Laurent Gbagbo aceitou explicar, em exclusivo, o braço de ferro que causou a crise no país e a apreensão no mundo. (Tradução Maria João Carvalho)
François Chignac, euronews – Há pouco mais de um mês, a Comissão Eleitoral independente anunciou que o seu adversário, Alassane Ouattara, ganhou as eleições presidenciais da Costa do Marfim. Alguns dias depois, o Conselho Constitucional legitimou a sua presidência. Hoje, a Costa do Marfim enfrenta uma das piores crises dos últimos tempos. Em que ponto estamos?
Laurent Gbagbo, presidente em exercício – O que é preciso compreender bem é que o resultado é ilegítimo, proclamado fora de prazo por alguém que não tinha o direito de o proclamar, é a isso que o Ocidente se agarra. O Conselho Constitucional deliberou e deu os resultados. É uma instituição reconhecida, proclamou eleito o novo presidente, que sou eu. Não querem sequer ouvir falar nisso. Sai do âmbito do direito, não é direito. É apenas a vontade dos poderosos de impôr outra pessoa. Não estou de acordo.
euronews:
A União Europeia contesta a sua legitimidade.
Laurent Gbagbo:
A União Europeia segue a França. Nas relações entre as grandes potências, cada um tem a sua zona de influência. E quando se trata de países francófonos da África negra, quando a França fala, todos os outros a seguem. A França interfere da pior maneira. Todas as resoluções feitas sobre a Costa do Marfim, na ONU, têm rascunho escrito pela França. É a França que escreve o esboço. Contestámo-lo várias vezes, mas somos um país pequeno. Não somos uma potência nuclear, não temos o direito de veto, nem sequer estamos no Conselho de segurança.
euronews:
O seu adversário, Alassane Ouattara, formou um governo, nomeou embaixadores que foram reconhecidos. O embaixador nomeado por Outtara em França foi reconhecido.
Laurent Gbagbo:
Mas a França está errada. Sou eu que digo: a França está errada.
euronews:
Passou 30 anos na oposição, Laurent Gbagbo. Tem uma longa carreira política. Nicolas Sarkozy dá-lhe um ultimato. Que responde ao chefe de Estado francês?
Laurent Gbagbo:
É inaceitável que um chefe de Estado, sob o pretexto de ser de um país mais poderoso do que outro, apresente um ultimato ao chefe de Estado de outro país. Não é possível.
euronews:
Os opositores dizem que o senhor não é um democrata, é um ditador, que fez um hold up eleitoral.
Laurent Gbagbo:
Quando …
euronews: que fez uma negação da democracia nas últimas semanas, que lhes responde?
Laurent Gbabo:
Que não estão bem colocados para falar sobre isso porque estão entricheirados no Hotel do Golfe (Ouattara e o governo). Estavam do lado do partido único, quando nós lutávamos pelo multipartidarismo. . Ouattara, Bédier (candidato na primeira volta)… queriam tanto matar o sistema multipartidário que estive na prisão durante o governo de Ouattara (que foi primeiro-ministro na década de 90).
euronews:
Laurent Gbagbo, estaria disposto a sacrificar-se pelos marfinenses para legitimar a visão de democracia.
Laurent Gbagbo:
Não é uma questão de sacrificar a Costa do Marfim, é uma questão mundial…
euronews:
Mas nós estamos no limite de tudo. A situação é tensa no país …
Laurent Gbagbo:
Esta não é a primeira vez que a a situação está tensa na Costa do Marfim.
euronews:
Não vai deixar o poder?
Laurent Gbagbo:
Oiça, eu fui eleito. Deve falar com aqueles que não foram eleitos.
euronews:
Se a comunidade internacional continuar a pressionar, nas próximas semanas, não vai deixar o poder?
Laurent Gbagbo:
Mas porque iriam continuar as pressões? É injusto.
euronews:
Há violência nas ruas. Se as atrocidades continuam, de ambas as partes, deixa o cargo?
Laurent Gbagbo:
Por quem? E há uma pergunta que quero fazer, e que as pessoas não costumam equacionar. Mesmo se já a seguir eu disser que deixo o poder, quem pode garantir que isso trará a paz? E que não vai provocar violências ainda maiores do que as que esperamos?
euronews:
E se a Comunidade Económica da África Ocidental intervir?
Laurent Gbagbo:
faria mal …
euronews:
e se os jovens marfinenses se opuserem aos militares da CEDEAO, abandonaria o poder?
Laurent Gbagbo:
Logo verei. E então anunciarei a decisão. Mas não está na agenda, por agora. O que importa agora é a discussão. Por isso discutimos. E pergunto porque é que as pessoas que pretendem ter ganho contra mim não querem voltar ao essencial e recontar os boletins de voto. Só peço isso. Que as pessoas venham para revermos as eleições.
euronews:
Então acusa os adversários de serem a fonte dos problemas na segunda volta das eleições.
Laurent Gbagbo:
Claro. Não é verdade que, nessas regiões, abusaram, violaram as mulheres que iam votar Gbagbo? É uma questão central.
euronews:
E quando o representante dos Direitos Humanos na ONU o estigmatiza e lhe aponta o dedo, o que responde?
Laurent Gbagbo:
É outro problema. É outro problema a que eu quero responder bem. Qual é o problema na Costa do Marfim? Ou seja, foram realizadas eleições. É preciso saber quem as ganhou. Esta é a fonte do problema. Eu digo que ganhei porque as instituições, que têm a responsabilidade de dizer quem ganhou, atribuiram-me a vitória. Os outros dizem outra coisa. Dizem outra coisa qualquer, mas sem base legal.
Então, como é habitual nestes casos, não têm argumentos sobre o fundo da questão, ou seja, quem ganhou as eleições e invocam os direitos do homem.
Em 2000, quando fui eleito, foi igual. Inventaram as valas comuns e culparam-me de mortes inexistentes. Pedi uma investigação judicial e houve um processo. Os polícias acusados foram absolvidos.
euronews:
As forças da ONU são imparciais na Costa do Marfim?
Laurent Gbagbo:
Já não são imparciais.
euronews:
Desde quando?
Laurent Gbagbo:
Desde as últimas eleições. Porque nós considerávamo-la uma força imparcial, digamos em 2003/2004. Mas, desde o momento que o líder …
euronews:
Que o coloca directamente em causa …
Laurent Gbagbo:
Que eu coloco directamente em causa. Acho que as pessoas da ONU devem ser mais sábias.
Sabem muito bem que os responsabilizamos pela escalada da tensão, sabem muito bem que o Governo da Costa do Marfim pediu para partirem. Disse às pessoas para não os apressarem, pedimos a saída diplomaticamente e é diplomaticamente que a vamos obter. Mas é preciso que sejam mais sábios. Quando as pessoas que vêm do exterior se querem impor por serem mais fortes, o resultado é este.
euronews:
Então, a Costa do Marfim e Laurent Gbagbo são vítimas do exterior?
Laurent Gbagbo:
Disse, no início da minha campanha, que a população tinha a escolha entre um candidato para a Costa do Marfim e um candidato para o estrangeiro. É isso. Parece carricatural, mas é realidade.
euronews:
Vamos ter de passar por um banho de sangue?
Laurent Gbagbo:
Eu não quero, estou a tentar evitar que aconteça.
euronews:
Mas não pode evitá-la?
Laurent Gbagbo:
Não acredito, de todo, que haja guerra civil. Mas, obviamente, se as pressões continuarem, acabam por nos empurrar para o confronto.
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