terça-feira, 2 de junho de 2009

Tiananmen

Vi, ontem, um documentário de um canal francês sobre Tiananmen. Duas coisas me chocaram sobremaneira: a primeira é que um dos três principais detidos do movimento na mais célebre praça chinesa no fim da década de 80, foi tão torturado que perdeu literalmente o juizo. A irmã levou-o a um ciber-café, onde fizeram a entrevista, ele tem a noção de que "descambou" de tanto mal que lhe fizeram mas não consegue ter uma conversa de jovem...regrediu e passou a ter a idade mental de uma criança. Falou, levantou-se e foi embora e a irmã teve de ir a correr atrás dele.
Mas o pior é que as mortes e torturas de Tiananmen atingiram o objectivo: os jovenes estudantes de hoje não sabem o que foi, para que serviu.
Em Hong Kong, um cantor chinês da moda, 20 anitos a levarem as raparigas ao êxtase absoluto, no intervalo do espectáculo, durante a entrevista que deu, à pergunta "Sabe o que é Tiananmen?" Ele ficou em silêncio, fez um esgar parvo...os olhos ainda procuraram a ajuda de uma dica...e depois...nada.
E agora algo que não tem a ver com isto mas com a sociedade chinesa e a escravatura permitida:

São vendidas em Paris cópias de todos os pintores célebres, impressionistas, surrealistas...à escolha. Desde 30 euros. Ora, estas pinturas estão a ser feitas por jovens chineses fechados em pequenos prédios onde um capataz-pintor, os coloca a fazer cópias por andares. No primeiro os aprendizes...no segundo aqueles que podem demorar quatro meses a copiar um mestre e a obra sai um mimo! Os de baixo pintam duas a três cópias por dia...
Ganham (os melhores) 30 euros por mês. E o que é incrível é que nestes prédios minúsculos não têm direito a quartos mas a um pequeno quarto com os beliches amontoados, seis a oito (tal igual como vemos nas imagens dos trabalhadores-escravos das subempreitadas chinesas em Angola e na Argélia). ~
O pequeno balcãozito que servia de cozinha no prédio que vi ostentava uma lamparina na qual cozinhavam cerca de 80 jovens, em pequnos grupos à vez. O sonho deles era ganhar mais, fazer mais quadros, para poder comprar roupa nova.

Esta é a sociedade que o Comité Central do partido comunista de Pequim criou. Quando justificou a repressão em Tiananmen para a economia poder prosperar...brrr...conseguiram, sim senhor, são a terceira economia do mundo....mas a que preço? Que horror de mentalidade têm os jovens chineses?

Bao Tong foi assistente de Zhao Ziang, secretário-geral comunista caído em desgraça que perdeu a batalha entre reformistas e partidários da linha dura (morreu em prisão domiciliária). Tong também está preso em casa há 20 anos e desafia os seus algozes:
- Se a economia chinesa prosperou graças à repressão, convido o governo chinês a partilhar a experiência com o resto do mundo...que digam aos outros países: se querem que a economia prospere, só têm de enviar blindados e metralhadoras contra o povo nas capitais.

...... e agora, a notícia da Lusa sobre o triste aniversário

Lisboa, 02 Jun (Lusa) - O movimento estudantil chinês pró-democracia da praça de Tiananmen "despertou consciências" e 20 anos depois da repressão militar de 04 de Junho de 1989 mantém-se uma ferida aberta e uma "bandeira" de desejo de mudança.

A opinião é da responsável pela secção China da Amnistia Internacional (AI) Portugal, Teresa Nogueira, que em entrevista à agência Lusa defende que "Tiananmen serviu para acordar consciências e para que muitos chineses estejam agora a exigir os seus direitos".

"Foi no espírito do movimento de Tiananmen que surgiu, por exemplo, o movimento da Carta 08, uma petição que circula na Internet, assinada inicialmente por 303 intelectuais chineses e actualmente por largos milhares de cidadãos, que pede reformas civis, políticas e económicas", afirma Teresa Nogueira.

A responsável da AI Portugal diz que "a China mudou essencialmente sob o ponto de vista económico e graças ao espezinhar dos direitos económicos e sociais dos civis chineses" e admite que há uma nova geração que "em grande parte o que vê é o lucro económico" como valor fundamental, em troca dos ideais políticos.

"Mas há muitos que começam a ver que os direitos políticos também são importantes, até para que eles próprios possam usufruir dos direitos económicos", ressalva, para lembrar que "é exactamente quando as pessoas alcançam um mínimo de conforto que lhes permita viverem com um mínimo de dignidade que começam a interrogar-se e isso acontece com muita gente na China e essas pessoas estão a ser reprimidas".

Teresa Nogueira aponta como exemplo o caso de Shi Tao, um jornalista que há cinco anos foi detido porque fez chegar aos Estados Unidos as directivas que tinha recebido das autoridades chinesas sobre o modo como devia tratar o aniversário de Tiananmen.

"E há pessoas vítimas de Tiananmen que ficaram inválidas e que foram obrigadas a saír de Pequim antes dos últimos Jogos Olímpicos para não serem entrevistadas sobre o que aconteceu" na madrugada de 04 de Junho de 1989, quando o Exército Popular de Libertação entrou com tanques no coração de Pequim com ordens para por fim a seis semanas de ocupação da praça por estudantes que exigiam reformas democráticas e combate à corrupção.

De acordo com a responsável da AI, "actualmente ainda há alguns presos políticos detidos na sequência de Tiananmen, há alguns que foram libertados há cerca de dois anos e depois foram obrigados a sair de Pequim na altura dos Jogos Olímpicos e há todos aqueles que querem que haja uma reavalição da questão de Tiananmen e que continuam a ser detidos por isso".

"Tiananmen digamos que continua a aterrorizar o regime chinês, no sentido em que põe a nú toda a repressão que continua a exercer sobre a população", afirma.

O governo chinês classificou o protesto estudantil como uma "sublevação contra-revolucionária", nunca aceitou discutir o assunto e o único balanço oficial do número de vítimas foi divulgado pelas autoridades municipais de Pequim, dando conta de 241 mortos - dos quais 218 civis, incluindo 36 estudantes das universidades de Pequim, e 23 militares - apesar de organizações de defesa dos direitos humanos, incluindo a AI, falarem de milhares de mortos.

"Há cerca de mil pessoas desaparecidas depois de Tiananmen e não há uma estimativa fiável, não foi possível fazê-la na altura, mas pelos relatos dos médicos, do que chegava aos hospitais, pode falar-se de milhares de mortos", disse à Lusa Teresa Nogueira.

O movimento Mães de Tiananmen - um grupo dirigido por Ding Zilin, 72 anos, que perdeu o seu único filho em 04 de Junho de 1989 - continua, por entre as restrições oficiais, a tentar obter informação sobre os desaparecidos tendo até ao momento compilado uma lista própria de 195 mortos confirmados.

Perante a mudança da China nos últimos 20 anos, desde o desenvolvimento económico à mudança da postura e estatura diplomática de Pequim na cena internacional, Teresa Nogeuira diz que "há evidentemente alguma melhoria, por exemplo a grande expansão da Internet, mas tem como contrapartida um controlo total do seu acesso e perseguição a alguns utilizadores".

"É claro que na medida em que o regime chinês for cegamente apoiado, suportado ou que haja conivência dos países que querem retirar disso benefícios económicos haverá menos espaço para a mudança", adianta.

Teresa Nogueira reserva também uma palavra crítica para Portugal, lembrando que "da parte do governo português já houve mais sensibilidade para estas questões, nomeadamente da parte do anterior Presidente, Jorge Sampaio, que estava atento a estas questões. Actualmente a sensibilidade é quase nula. Temos sido muito bem recebidos por todos os partidos no parlamento, mas na realidade a acção política que daí tem resultado é nenhuma".

Mas, para a represetnante da AI, o potencial para a mudança permanece. "A própria situação económica actual, com a diferença de desenvolvimento entre a cidade e o campo, com milhões de trabalhadores migrantes a terem afluído às cidades e agora a serem "repatriados" para os seus locais de origem, está a criar grandes tensões, não só porque estão a ficar sem meios de subsistência como porque estiveram em contacto com um modo de vida citadino que antes não conheciam e já começa a haver agitação".

E 20 anos depois, a imagem mais emblemática do protesto da sociedade civil chinesa - o homem que, com um saco de compras na mão, enfrentou sozinho e fez parar uma coluna de tanques - acaba também por ser símbolo do que fica ainda por explicar.

O homem em frente aos tanques mantém-se um cidadão anónimo, sobre o qual nada se sabe, desde o nome ao paradeiro.

JMR.

Lusa/Fim

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