Laura Davidescu da Euronews, entrevistou
Jacques Attali, que defende Europa forte com governo central de facto. O analista francês considera que todos os líderes europeus são medíocres desde Jacques Delors...
Antigo presidente do banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento, autor de 40 obras, ensaios, romances e monografias.... Jacques Attali faz de tudo e diz tudo.
Era o braço direito de François Mitterrand e a eminência parda das negociações da França nas reuniões do G7. Hoje dirige uma empresa financeira e um gabinete de conselho estratégico em novas tecnologias.
Gosta de se assumir como guru da política europeia, olhar o mundo como um profeta.
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euronews - É tempo de eleições europeias. As elites sublinham o que está em jogo no que é o maior escrutínio transnacional da história do mundo, mas pelo lado dos que vão colocar os boletins nas urnas, ha como que um cansaço, uma lassitude...
Jackes Attali - Não, não é exatamente isso. Acho que os europeus são muito inteligentes e sabem que, quando votam para escolher um presidente da Câmara um vereador, isso tem um impacto: escolhem alguém que tem um poder, a quem podem ir ver depois no escritório.
Quando escolhem um presidente da República, um governo, também sabem que isso terá um impacto na vida quotidiana.
Quanto às eleições europeias, como não há governo europeu, nem um poder europeu, têm uma impressão muito fluída...e o entusiasmo está ao mesmo nível da complexidade do sistema europeu. Daí a importância de ir muito depressa mais longe. Os cidadãos vão votar quando puderem, na verdade, escolher um presidente da Europa.
euronews - A indiferença também se deve a uma falta de tensão dramática...nem sequer se escolhe o presidente da Comissão Europeia.
J.A. - Acho que a palavra-chave é aposta...não há nada em jogo, ou o jogo não está claro.
Na verdade há um verdadeiro desafio: normalmente, nestas eleições europeias, se tivermos em conta as instituições, pode derrubar-se a maioria. Actualmente a direita tem a maioria parlamentar, mas a Comissão em si não é o reflexo da maioria parlamentar. É um sistema extraordinariamente complicado.
euronews - A distância entre a integração económica e a integração política da Europa é muito grande. A crise apanhou-nos de surpresa?
J.A. - É preciso compreender. A China é um país de regiões dirigidas por um só governo; os Estados Unidos são federados; mas a Europa não. De certa forma, o que deteve a construção europeia foi a queda do muro de Berlim. Sem a queda do Muro teríamos um presidente da Europa frente à Europa de Leste.
Felizmente, o muro caiu, e é uma coisa boa, mas, de certo modo, também baralhou as cartas da construção europeia e atrasou a implementação de uma potência europeia.
Agora, face à crise, necessitamos de um poder político tão forte como nos Estados Unidos e na China, isto é, um poder político capaz de decidir um relançamento orçamental, capaz de grandes projectos em investigação e em sectores de ponta, de nacionalizações europeias...
Note que em nenhuma língua da Europa se pode falar de "nacionalização feita pela Europa", não é possível falar de "europeização" ... e hoje é evidente que é preciso...não digo que seja preciso nacionalizar empresas, mas algumas empresas deviam converter-se em propriedade da União Europeia...e mesmo isto não é concebível.
euronews - Se examinamos mais de perto o contexto no qual têm lugar as eleições, dá a impressão de que nunca vivemos um momento tão forte de tensão dramática: o sonho americano desfez-se...
J.A. - Não devemos pensar que o modelo americano está acabado. Porque para além desta crise, os americanos vão ser capazes de recuperar, de ressurgir, de reformar... o individualismo americano vai reencontrar a energia.
O sistema chinês também conservou toda a força, mas é verdade que actualmente, o modelo de respeito dos serviços públicos, de desenvolvimento de uma justiça social, de um Estado protector e orientador de uma evolução global ... que é o modelo europeu, de uma cobertura social no âmbito da educação e de segurança muito forte... é um modelo que devia ser universal. E a Europa podia ficar ainda mais orgulhosa do próprio sonho europeu.
euronews - Então porque é que há esta timidez das classes políticas dirigentes em afirmar estas verdades?
J.A. - Porque os dirigentes políticos europeus estão encantados a enviar os representantes mais medíocres para Bruxelas. Repito: estão encantados a mandar os mais medíocres para Bruxelas.
euronews - Porquê?
J.A. - Porque assim mantêm o poder real nos países. À parte Jacques Delors, nunca mais tivémos - desde há 30, 40 anos - um presidente da Comissão que fosse de alto nível . Simplesmente porque cada vez que um país mandou alguém para Bruxelas, toda a gente se assegura de que ele é suficientemente medíocre para não poder fazer sombra a ninguém...e para que a França, a Grã-Bretanha, a Alemanha e a Itália conservem a autonomia e não tenham de enfrentar uma concorrência forte de Bruxelas.
euronews - Se entre os 500 milhões de europeus dominassem os que querem uma Europa Federal, em que medida...num cenário destes, o boletim de voto nas urnas podia mudar o modo como a Europa é conduzida?
J.A. - Não, isso é uma distinção entre esquerda e direita, porque tanto a esquerda como a direita europeias, por enquanto, são favoráveis ao Tratado de Lisboa.
A ratificação do Tratado de Lisboa é ainda mais importante do que estas eleições, porque constitui uma etapa para o progresso da integração europeia.
Além disto, se o Tratado de Lisboa for ratificado, as eleições europeias passam a ter uma cor totalmente diferente, porque permitem avançar mais, ir além.
Toda a história nos ensina que se a Europa não se dota, nos próximos anos, de um verdadeiro governo europeu, toda a construção europeia desaba. Porque o que não avança, recua. E se não somos capazes de ter um ministério das Finanças, uma política orçamental, uma política fiscal comum, uma política social comum, o euro deixa de existir, porque o euro não pode resistir se cada um tiver a sua própria concepção de disciplina orçamental.
euronews - Então, a União Europeia de amanhã tem de ser integrada politicamente ou deixa de existir...
J.A. - Exactamente. Ou cada um regressa ao proteccionismo, que é de facto uma ameaça a nível mundial. Ou nos dirigimos para algo como um governo mundial, ou vamos ter proteccionismos continentais.
euronews - No entanto, hoje, quando se fala em governo mundial, todos têm medo...
J.A. - Claro, é normal porque é algo que parece fantasmagórico.
Mas já há um governo mundial em muitos sectores: existe em matéria de segurança aérea, no futebol, no sector bancário, em muitos domínios.
E como nos custa muito pensar num governo europeu, o que já existe hoje em dia, apesar de ser extraordinariamente débil e a Europa dá lições ao mundo. Se não somos capazes de ter um espaço económico e um espaço político à escala europeia, não temos o mesmo à escala mundial...e o espaço económico mundial vai fragmentar-se e vamos cair de novo numa enorme depressão.
euronews - Realizaram-se duas reuniões do G-20 depois do desencadeamento da crise...
J.A. - E realizaram-se muito bem. A questão é saber o que passa entre a reunião do G-20 em Londres e a reunião do G-20 em Nova Iorque em Outubro.
Se não se passa nada, e é uma possibilidade, então foi tudo um golpe de teatro.
Se, pelo contrário, nesse período, se aplicam todas as regras enunciadas em Londres, regulamento dos fundos de investimento, dos bancos, das agências de "rating" (notação), mecanismos de controle, então temos um princípio de regulamentação mundial que é absolutamente necessário.
Mas é preciso que essas regras sejam globais, que não só se apliquem apenas a alguns paraísos fiscais mas ao conjunto das grandes potências.
euronews - E os paraisos fiscais dos Estados Unidos e da China ...
J.A. - E da Grã-Bretanha, que também tem paraíso fiscais...
euronews - Então, há bastante hipocrisia no que nos comunicam...
J. A. - Por enquanto podemos pensar que há perigo de que seja apenas teatro.
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