terça-feira, 11 de novembro de 2014

Maestro Virgílio Caseiro

Uma entrevista do meu baú, na Figueira da Foz para O Figueirense - não revista agora

Entrevista ao Maestro Virgílio Caseiro – a humildade na excelência


O Maestro Virgílio Caseiro é um lobo do mar que desfia memórias, não através de fios de pesca ou contos de encantar, mas com a batuta de um sábio. Não é tão velho como ‘os mais velhos’ o são na África das tribos com respeito pelas cãs. Nasceu em 1948 em Ansião.
Assumiu a responsabilidade artística da Orquestra de Câmara de Coimbra em 2001 – a partir de 2005, Orquestra Clássica do Centro – sendo seu Maestro Titular.
No dia 3 de Agosto, apresenta um programa ímpar no Palácio Sotto Maior da Figueira da Foz.


Maria João Carvalho para o Figueirense – É um homem de muitos portos e de muitas naus… que faz aqui?
Maestro Virgílio Caseiro - É verdade que sim…a grande vantagem de ser velho – entre os vários inconvenientes que tem – é essa possibilidade que vamos tendo de acumular vida acumulando recordações e, de recordação em recordação, juntamos umas com as outras e acabamos por construir um ‘ideário’ muito nosso, muito pessoal que faz parte de todos e não faz parte de ninguém, com o qual nos sentamos à mesa (nós próprios), com a companhia de nós próprios, construindo projectos que vão nascendo e que nós vamos levando por diante e nos fazem sentir bem com eles. Isso é a universalidade da idade… não é?
E não vejo inconveniente nenhum em ser velho e sinto todo o encanto em poder desfrutar estes anos ao abrigo daquilo que muitas vezes me perguntam e é “quantos anos tenho” e eu digo que “tenho exactamente aqueles que me faltam para morrer”.
E é na conjugação sistemática destas duas verdades que eu, despreocupadamente, vou construindo o meu mundo musical, com a maior seriedade possível, tentando produzir um produto acabado que seja de superlativa qualidade, quase nunca conseguido, e ainda bem, porque a mediocridade daquilo que eu queria que fosse superlativo dá-me razão de ser para o dia de amanhã.
E, portanto, vou tendo este encanto e esta dinâmica de estar comigo e com os meus projectos … possivelmente, do pouco que tenha feito, alguma coisa se pode aproveitar em prol das comunidades da Zona Centro, que é a zona onde, prioritariamente, milito, porque também defendo que não faço falta nenhuma nem em Lisboa nem no Porto… lá há muita gente… há muita gente a poder fazer e eu acho que as pessoas devem ter a lucidez do que valem e para onde caminham e depois devem saber escolher o local para viverem de acordo com o valor que têm e da expectativa das comunidades receptoras. Ou seja: o Bernstein de Nova Iorque era o Bernstein de Nova Iorque e, claro… não podia sair de Nova Iorque porque se saísse ficava subaproveitado – ele estava ajustado à expectativa de Nova Iorque. Eu, por isso, continuo em Coimbra e não faço falta em Lisboa… e no dia em que a expectativa de Coimbra ou da Região Centro – Figueira da Foz… Viseu… - for superior à capacidade de resposta que eu tenho …pois acredite que eu vou deslocar-me para a Pampilhosa da Serra ou de outra terra qualquer, onde eu possa ser o meu Bernstein, à minha dimensão
M.J.C - O que escolheu para trazer à Figueira?
V.C.- Vimos a este espaço (Palácio de Sotto Maior) a convite da organização, no dia 3 de Agosto, e vamos aproveitar uma clareira entre árvores centenárias para, ao fim da tarde, por volta das sete horas, fazermos um concerto com três cambiantes fundamentais: a primeira: o colorido da orquestra, em que a orquestra vai ser solista… e… depois… outros temas… vamos trazer obras de Coimbra, concretamente, guitarradas de Coimbra, feitas por guitarra portuguesa, acompanhadas por orquestra, e compostas, ou recompostas por compositores que, eu penso, serem de primeira água no panorama composicional português! Estou a lembrar-me do Henrique Carrapatoso, e, exemplo de Sérgio Azevedo e do (infelizmente já desaparecido), Zé Marinho… estou a lembrar-me de um compositor de Coimbra, várias vezes premiado, Zé Firmino Morais Soares… portanto, vamos fazer algumas obras para guitarra portuguesa e para orquestra.
E, finalmente, a terceira vertente é a de temas de canção da zona centro e coimbrã, a que eu não vou chamar fado porque não serão fados, são canções… mas de autores conhecidos: de Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira, que vão ser tocados pela orquestra e cantados por um tenor, que começa agora a despertar na Zona Centro e começa a dar muito boa conta de si, o tenor Nuno Silva, que vai estar connosco para cantar esses temas.
MJC - Pode contar um pouco da história desta orquestra?
V.C. – A orquestra tem a história que todas as orquestras têm neste país. Uma vivência debilitada, uma vivência sempre em contínua possibilidade de desaparecimento mas que, persistentemente, queremos levar por diante.
Apareceu em 2001, pela minha mão e pela mão da actual presidente da Direcção, a Drª Emília Martins – a quem se deve toda a honra do facto da sua sobrevivência, porque tem um dinamismo brutal e uma capacidade de resistência à frustração que eu admiro e que a minha idade (mais uma vez) já não me aconselha a ter, porque desanimo mais cedo…e fruto disso a orquestra, não obstante não ter vindo a ter nenhum apoio oficial do ministério da Cultura tem vindo, com um orçamento miserabilista em relação às outras orquestras congéneres, a desenvolver um trabalho de militância na Zona Centro, para a qual está vocacionada. E tem vindo a fazer um reportório igual ao que as outras orquestras fazem, simplesmente com o orçamento que temos.
Estou convencido – e nem estou triste por isto nem me estou a queixar – de que as organizações, instituições e associações devem mostrar o trabalho que são capazes de fazer. E depois esse trabalho tem de ser de tal forma objectivo e tem de emergir com tal força no tecido cultural onde está inserido que, depois, nem o ministério da Cultura nem qualquer outro tipo de ministério pode fechar os olhos, tem de os abrir. E, nessa altura, eles estarão connosco tranquilamente para nos apoiar. Continuo tranquilamente à espera de que chegue o meu dia para que isso chegue a uma verdade.
MJC – Porque tem ao peito uma medalha de oiro de D. João IV?
VC – A história desta medalha é como todas as histórias das grandes navegações (risos): o mundo é redondo e as caravelas circundam o mundo…por todas as navegações que fazemos, sejam elas afectivas, cognitivas ou motoras, vamos encontrar portos de abrigo onde nos revitalizamos e onde nos encontramos. Esta medalha, ao fim e ao cabo, sendo do tempo de D. João IV é, digamos, que a lembrança de um porto de abrigo onde encontrei ânimo para outra viagem.


Maria João Carvalho

Jornalista da EuroNews

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