sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Miguel Pedreira dixit: "Ribeira d'eles?"


"RIBEIRA D'ELES?" - Artigo de Miguel Pedreira, na mais recente edição da revista OnFire - "Quanto vale uma boa ideia? (...) Até porque o assunto já levantou bastante polémica, alguma investigação de órgãos de comunicação social generalistas e até mesmo uma crónica no jornal Expresso da Procuradora-Geral Adjunta Maria José Morgado, uma das vozes mais activas no combate à corrupção em Portugal."

Por Miguel Pedreira

“Ribeira d’Eles?”
Quanto vale uma boa ideia?... Quanto valeriam, em 1970, as ruínas de uma determinada quinta, junto à Ria Formosa, no Algarve, quando o empresário André Jordan olhou para aquelas terras e visionou o seu potencial? Quanto valeria o mesmo pedaço de terra, doze anos depois, já designado como Quinta do Lago? E hoje? Quanto vale o património intangível de uma terra, de um país, da humanidade?... são perguntas que me assaltam de cada vez que penso na “tomada de posse administrativa” da Câmara Municipal de Mafra aos terrenos do Ribeira Surf Camp, em Ribeira d’Ilhas, que tanta polémica tem dado! Tudo “legal”, segundo a Câmara Municipal, “passando por cima da lei”, segundo os proprietários do Surf Camp. Do ponto de vista legal não posso nem sei pronunciar-me. Não tenho competência nem conhecimentos para isso. Confio no funcionamento regular das instituições competentes para o efeito e aguardo, como tantos outros, o desenrolar da situação. Até porque o assunto já levantou bastante polémica, alguma investigação de órgãos de comunicação social generalistas e até mesmo uma crónica no jornal Expresso da Procuradora-Geral Adjunta Maria José Morgado, uma das vozes mais activas no combate à corrupção em Portugal. Confio na justiça.

Mas do ponto de vista moral, e no que ao surf diz respeito, tenho (temos!) todo o direito de opinar, sugerir e até mesmo de exigir algumas respostas a questões que me (nos) preocupam! Não vivo no concelho de Mafra, mas como praticante de surf há trinta anos e jornalista da área há vinte, frequento as ondas da Ericeira desde que me lembro e preocupo-me com a sua “boa saúde”. Como qualquer surfista da área da Grande Lisboa que se preze, a Ericeira acabou por se tornar numa segunda casa. Profissionalmente acompanhei dezenas de campeonatos nas suas ondas, incluindo o primeiro mundial alguma vez realizado em Portugal, em 1989, a maior parte dos quais com a sua estrutura principal montada em Ribeira d’Ilhas. Esta localização privilegiada não foi escolhida ao acaso. A qualidade das ondas de Ribeira e a sua estrutura natural, em jeito de anfiteatro, são um palco lógico para albergar eventos de surf, conhecido desde, pelo menos, 1977, quando os surfistas de todo o país que ali acampavam durante o Verão decidiram organizar o primeiro campeonato nacional da modalidade, no final do mesmo. Com o passar dos anos, foi com alguma preocupação que assisti à descaracterização da vila, ao aumento exponencial da construção e à sua voracidade pelas áreas de terreno cada vez mais próximas do mar. Também me recordo do “episódio” do emissário submarino da ETAR que está no início do Vale de Santo Isidoro, mesmo por trás de Ribeira d’Ilhas, e de como o seu “encurtamento” transformou a secção final da onda. Ou seja, como qualquer cidadão que se preze, preocupei-me com uma localidade que, embora não seja onde resido, me é muito querida. Foi assim que me ensinaram a ser e é assim que entendo o conceito de “comunidade”, palavra tão cara à enorme quantidade de surfistas que, desde o final dos anos 1970 e até hoje, se mudaram para a Ericeira, de forma a poderem usufruir do maior tesouro do “North Shore” português – as suas ondas – com maior frequência. Dessa comunidade “estrangeira” nasceram negócios, carreiras, clubes, oportunidades de vida numa vila que deixou de ser apenas para dois ou três meses de Verão, e até o melhor surfista português de todos os tempos. Sinal de fertilidade daquelas águas!

Dessa comunidade nasceu também, há doze anos, um dos primeiros surf camps nacionais pensados de raiz. Com infra-estruturas criadas para receber condignamente os surfistas que se deslocavam à praia de Ribeira d’Ilhas, integrada na paisagem e  com uma preocupação ambiental como até então pouco se via. Acreditando num sonho, um grupo de quatro amigos, empreendedores, comprou (e repito, COMPROU!) um terreno particular (novamente, PARTICULAR!), em cima da praia, e transformou aquilo que era um autêntico pardieiro, uma verdadeira pocilga a céu aberto (para os que não têm memória curta e ainda se lembram!), num espaço agradável, onde famílias inteiras podiam estar despreocupadas, enquanto aproveitavam as ondas ali em frente, com a comodidade da “sala lá de casa”. Embora tivessem toda a legitimidade para fazer crescer ali um negócio privado (e sim, é suposto os negócios darem lucro. Não é um crime, é uma necessidade!), a verdade é que o Ribeira Surf Camp sempre foi um espaço aberto a todos os que ali fossem por bem, independentemente de serem ou não clientes, onde nunca vi alguém ficar sem uma prancha, um fato, um banho, uma refeição, um espaço para descansar ou uma mera dica que fosse, no que às condições do mar dissesse respeito. Em suma, um exemplo de ponto de encontro de uma comunidade! Foi este património imaterial ali criado que levou muitos clientes de todo o mundo a voltarem à Ericeira, a sugerirem o destino a amigos e a terem no Ribeira Surf Camp um ponto de referência. O “modelo” inspirou muitos outros Surf Camps e foi mesmo assumido pelo anterior Secretário de Estado do Desporto como referência para a concepção dos Centros de Alto Rendimento de Surf que estão agora a ser construídos. Foi também com base numa proposta dos sócios do Ribeira Surf Camp que o plano de pormenor do POOC para Ribeira d’Ilhas foi alterado e que a Câmara Municipal de Mafra apresentou a sua proposta actual, embora alterada em relação ao original e, por isso, para mim, megalómana e descabida na sua enormidade. Foi também a existência deste Surf Camp, com estas características, que contribuiu para que a organização Save The Waves atribuísse o estatuto de Reserva Mundial de Surf (a segunda no mundo e primeira na Europa) aquele trecho de costa da Ericeira, tendo em Ribeira d’Ilhas um ponto de convergência natural e no Ribeira Surf Camp um conjunto de pessoas que já agiam como guardiões naturais da mesma, qualidade intrínseca a uma boa formação pessoal e no âmbito de uma verdadeira comunidade. E volta a tal pergunta... Quanto é que vale uma boa ideia?

Do ponto de vista ético e moral, a “tomada de posse administrativa” dos terrenos onde se situa o Ribeira Surf Camp levanta-me imensas dúvidas! Pelo seu “timing”, apenas dois dias antes das férias judiciais e em plena época balnear, deixando centenas sem o seu habitual ponto de apoio; pela força claramente exagerada utilizada, com o encerramento da estrada e a presença de um número estranhamente elevado de elementos de três tipos de polícia diferentes, numa clara e prepotente demonstração de autoridade, embora o processo judicial não esteja terminado; pela inversão surpreendente das negociações com os proprietários, que obviamente não querem deixar de ter o seu negócio e, caso isso seja de facto incontornável, legitimamente não querem ser pagos abaixo do que investiram por um conceito/negócio onde investiram doze anos (já agora… quanto vale realmente essa ideia?...); pela abrangência do protesto subsequente – não me parece que todos os que frequentavam aquele Surf Camp, que são as mesmas pessoas que frequentavam a praia, estejam errados; e pela dualidade no posicionamento da Câmara, que diz querer melhorar as condições de apoio a pessoas que não foram sequer ouvidas, não querem ser “apoiadas” daquela forma e foram altamente prejudicadas desde o dia 30 de Julho. A expropriação de um terreno privado declarando a sua utilidade pública é o último recurso que uma instituição do Estado deve tomar, sobretudo quando os donos do terreno até querem utilizar verbas próprias para a utilização pública do seu negócio, ali implantado. E o que é “interesse público”? É retirar das mãos de privados um terreno com uma localização privilegiada, utilizar dinheiros públicos e comunitários (mais de 3 milhões de Euros, ao que parece!) para construir ali um autêntico “centro comercial do surf” – vejam o projecto – e depois concessionar a sua exploração novamente a privados?... que privados? Qual é a legitimidade disto e, já agora, o “interesse do público”? Quem é o “público” em Ribeira d’Ilhas? Mas já alguém tentou perceber se a estrutura da praia comporta os “milhares” de utentes que dizem querer servir com a “nova” estrutura? Já alguém explicou o que vai acontecer ao curso da ribeira que ali corre para o mar e que implicações a alteração do seu curso terá na formação das ondas? O exemplo da Foz do Lizandro (ou, noutro concelho, da Costa de Caparica!) não chega, com uma praia descaracterizada e igual a tantas outras por essa Europa fora? Será que não entendem que o que os turistas que nos visitam procuram é precisamente esse lado “pitoresco”, diferente e não uniformizado, diferente das centenas de praias por essa Europa fora, todas iguais entre si? Pelos vistos não, se olharmos para a forma como a Ericeira foi devorada por betão! Não deixa de ser curioso ler a acta, pública, da Assembleia Municipal que decretou a utilidade pública daqueles terrenos privados e verificar que, na mesma reunião, foi decretada a eventual alienação de terrenos públicos (uma parte do parque de campismo dos Mil-Regos) para a construção de um hotel de cinco estrelas… privado, claro! Tudo na maior das legalidades! E pergunto eu… precisamos nós de leis assim? E de políticos assim, que não entendem a mais valia que têm em mãos e preferem dar cabo dela? Ou será que entendem e tudo isto é feito com uma intenção específica?... será que estão a matar a “galinha dos ovos de ouro” propositadamente? Não quero acreditar! Espero que seja apenas falta de conhecimento…

Aguardo atentamente a actuação da justiça em relação a este caso, mas não me parecem óbvias as boas intenções da Câmara Municipal de Mafra neste assunto, no que ao surf diz respeito.  Não vejo o mesmo tipo de actuação, por exemplo, na Câmara Municipal de Peniche ou na da Nazaré. Muito pelo contrário! Estes autarcas sabem que o poder não é eterno e que o surf é a grande mais valia que ali têm. Não estou a ver a Câmara de Peniche, por exemplo, a tentar expropriar o Surf Castle ou a Ilha do Baleal inteira, mesmo que tivesse a possibilidade de utilizar milhões de Euros do QREN para obras de “melhoramento”. É a diferença que faz saber ouvir, escutar quem todos os dias está embrenhado no assunto em causa. E o que deixa Peniche completamente cheia de turistas/surfistas durante todo o ano.
Mas o que mais me entristece é a quase total ausência de tomada de posição pública de entidades que deviam ser as primeiras a fazê-lo! Salvo a meritória voz de três dos guardiões da Reserva Mundial de Surf e da Save the Waves Coalition, que mostraram estar em desacordo e atentos ao desenrolar da situação em Ribeira d’Ilhas, nenhum dos clubes locais – supostamente representantes dos principais interessados, da comunidade – tomou uma posição. Quem cala, consente! Até o nosso melhor surfista de todos os tempos – Tiago Pires – arranjou tempo para, no meio do seu calendário apertado, tornar pública a sua opinião sobre o assunto. Goste-se ou não dela, é pública! Porque Tiago sabe que é uma figura pública e que a sua voz é ouvida/desejada! Já o Ericeira Surf Clube e a Associação dos Amigos da Baía dos Coxos estão há mais de um mês para tomar uma posição, o que só revela que algo vai mal no reino da Ericeira!... afinal a comunidade parece pouco unida, ou se calhar a situação não é consensual... ou será que os clubes representam de facto toda a comunidade?... escudando-se atrás de um argumento falso – o de que se tratam de interesses privados – não entendem que o que está em causa é a sobrevivência do surf na Ericeira e do “North Shore” da Europa como Reserva Mundial de Surf! Toda esta situação diz respeito ao surf nacional, sim! (E aqui, também gostava de ver uma posição oficial assumida pela Federação Portuguesa de Surf, pela Associação Nacional de Surfistas e pela Associação Portuguesa de Bodyboard) Porque perante os factos, não há argumentos que resistam – a voracidade do betão só vai parar quando tiver toda a falésia Norte de Ribeira d’Ilhas construída e um condomínio de luxo em frente aos Coxos, com acesso privativo e exclusivo! E aí, meus amigos, como nos activos do país que estão a ser desbaratados em praça pública, será tarde demais! 

Está na hora de toda a comunidade das ondas se unir, de agir como tal e de dar um murro na mesa, exigindo clarificação, bom senso e ser ouvida no que respeita à Reserva Mundial de Surf, cujo real funcionamento está, até hoje, um ano depois de ter conquistado esse título, longe de ser claro. É a hora de nos unirmos e de tomarmos uma posição no que às nossas vidas diz respeito. Sim, porque isto diz-te tanto respeito a ti como a mim! E porque o preço a pagar pelo nosso não envolvimento com algo que nos é intrínseco é sermos liderados por outros, menos capazes e conhecedores do meio. E isso é insuportável, pois a ignorância é a pior das conselheiras. Está na hora de agir!
"RIBEIRA D'ELES?" - Artigo de Miguel Pedreira, na mais recente edição da revista OnFire - "Quanto vale uma boa ideia? (...) Até porque o assunto já levantou ba
stante polémica, alguma investigação de órgãos de comunicação social generalistas e até mesmo uma crónica no jornal Expresso da Procuradora-Geral Adjunta Maria José Morgado, uma das vozes mais activas no combate à corrupção em Portugal."

Por Miguel Pedreira

“Ribeira d’Eles?”


Quanto vale uma boa ideia?... Quanto valeriam, em 1970, as ruínas de uma determinada quinta, junto à Ria Formosa, no Algarve, quando o empresário André Jordan olhou para aquelas terras e visionou o seu potencial? Quanto valeria o mesmo pedaço de terra, doze anos depois, já designado como Quinta do Lago? E hoje? Quanto vale o património intangível de uma terra, de um país, da humanidade?... são perguntas que me assaltam de cada vez que penso na “tomada de posse administrativa” da Câmara Municipal de Mafra aos terrenos do Ribeira Surf Camp, em Ribeira d’Ilhas, que tanta polémica tem dado! Tudo “legal”, segundo a Câmara Municipal, “passando por cima da lei”, segundo os proprietários do Surf Camp. Do ponto de vista legal não posso nem sei pronunciar-me. Não tenho competência nem conhecimentos para isso. Confio no funcionamento regular das instituições competentes para o efeito e aguardo, como tantos outros, o desenrolar da situação. Até porque o assunto já levantou bastante polémica, alguma investigação de órgãos de comunicação social generalistas e até mesmo uma crónica no jornal Expresso da Procuradora-Geral Adjunta Maria José Morgado, uma das vozes mais activas no combate à corrupção em Portugal. Confio na justiça.

Mas do ponto de vista moral, e no que ao surf diz respeito, tenho (temos!) todo o direito de opinar, sugerir e até mesmo de exigir algumas respostas a questões que me (nos) preocupam! Não vivo no concelho de Mafra, mas como praticante de surf há trinta anos e jornalista da área há vinte, frequento as ondas da Ericeira desde que me lembro e preocupo-me com a sua “boa saúde”. Como qualquer surfista da área da Grande Lisboa que se preze, a Ericeira acabou por se tornar numa segunda casa. Profissionalmente acompanhei dezenas de campeonatos nas suas ondas, incluindo o primeiro mundial alguma vez realizado em Portugal, em 1989, a maior parte dos quais com a sua estrutura principal montada em Ribeira d’Ilhas. Esta localização privilegiada não foi escolhida ao acaso. A qualidade das ondas de Ribeira e a sua estrutura natural, em jeito de anfiteatro, são um palco lógico para albergar eventos de surf, conhecido desde, pelo menos, 1977, quando os surfistas de todo o país que ali acampavam durante o Verão decidiram organizar o primeiro campeonato nacional da modalidade, no final do mesmo. Com o passar dos anos, foi com alguma preocupação que assisti à descaracterização da vila, ao aumento exponencial da construção e à sua voracidade pelas áreas de terreno cada vez mais próximas do mar. Também me recordo do “episódio” do emissário submarino da ETAR que está no início do Vale de Santo Isidoro, mesmo por trás de Ribeira d’Ilhas, e de como o seu “encurtamento” transformou a secção final da onda. 
Ou seja, como qualquer cidadão que se preze, preocupei-me com uma localidade que, embora não seja onde resido, me é muito querida. Foi assim que me ensinaram a ser e é assim que entendo o conceito de “comunidade”, palavra tão cara à enorme quantidade de surfistas que, desde o final dos anos 1970 e até hoje, se mudaram para a Ericeira, de forma a poderem usufruir do maior tesouro do “North Shore” português – as suas ondas – com maior frequência. 

Dessa comunidade “estrangeira” nasceram negócios, carreiras, clubes, oportunidades de vida numa vila que deixou de ser apenas para dois ou três meses de Verão, e até o melhor surfista português de todos os tempos. Sinal de fertilidade daquelas águas!

Dessa comunidade nasceu também, há doze anos, um dos primeiros surf camps nacionais pensados de raiz. Com infra-estruturas criadas para receber condignamente os surfistas que se deslocavam à praia de Ribeira d’Ilhas, integrada na paisagem e com uma preocupação ambiental como até então pouco se via. Acreditando num sonho, um grupo de quatro amigos, empreendedores, comprou (e repito, COMPROU!) um terreno particular (novamente, PARTICULAR!), em cima da praia, e transformou aquilo que era um autêntico pardieiro, uma verdadeira pocilga a céu aberto (para os que não têm memória curta e ainda se lembram!), num espaço agradável, onde famílias inteiras podiam estar despreocupadas, enquanto aproveitavam as ondas ali em frente, com a comodidade da “sala lá de casa”. Embora tivessem toda a legitimidade para fazer crescer ali um negócio privado (e sim, é suposto os negócios darem lucro. Não é um crime, é uma necessidade!), a verdade é que o Ribeira Surf Camp sempre foi um espaço aberto a todos os que ali fossem por bem, independentemente de serem ou não clientes, onde nunca vi alguém ficar sem uma prancha, um fato, um banho, uma refeição, um espaço para descansar ou uma mera dica que fosse, no que às condições do mar dissesse respeito. Em suma, um exemplo de ponto de encontro de uma comunidade! Foi este património imaterial ali criado que levou muitos clientes de todo o mundo a voltarem à Ericeira, a sugerirem o destino a amigos e a terem no Ribeira Surf Camp um ponto de referência. O “modelo” inspirou muitos outros Surf Camps e foi mesmo assumido pelo anterior Secretário de Estado do Desporto como referência para a concepção dos Centros de Alto Rendimento de Surf que estão agora a ser construídos. Foi também com base numa proposta dos sócios do Ribeira Surf Camp que o plano de pormenor do POOC para Ribeira d’Ilhas foi alterado e que a Câmara Municipal de Mafra apresentou a sua proposta actual, embora alterada em relação ao original e, por isso, para mim, megalómana e descabida na sua enormidade. Foi também a existência deste Surf Camp, com estas características, que contribuiu para que a organização Save The Waves atribuísse o estatuto de Reserva Mundial de Surf (a segunda no mundo e primeira na Europa) aquele trecho de costa da Ericeira, tendo em Ribeira d’Ilhas um ponto de convergência natural e no Ribeira Surf Camp um conjunto de pessoas que já agiam como guardiões naturais da mesma, qualidade intrínseca a uma boa formação pessoal e no âmbito de uma verdadeira comunidade. E volta a tal pergunta... Quanto é que vale uma boa ideia?

Do ponto de vista ético e moral, a “tomada de posse administrativa” dos terrenos onde se situa o Ribeira Surf Camp levanta-me imensas dúvidas! Pelo seu “timing”, apenas dois dias antes das férias judiciais e em plena época balnear, deixando centenas sem o seu habitual ponto de apoio; pela força claramente exagerada utilizada, com o encerramento da estrada e a presença de um número estranhamente elevado de elementos de três tipos de polícia diferentes, numa clara e prepotente demonstração de autoridade, embora o processo judicial não esteja terminado; pela inversão surpreendente das negociações com os proprietários, que obviamente não querem deixar de ter o seu negócio e, caso isso seja de facto incontornável, legitimamente não querem ser pagos abaixo do que investiram por um conceito/negócio onde investiram doze anos (já agora… quanto vale realmente essa ideia?...); pela abrangência do protesto subsequente – não me parece que todos os que frequentavam aquele Surf Camp, que são as mesmas pessoas que frequentavam a praia, estejam errados; e pela dualidade no posicionamento da Câmara, que diz querer melhorar as condições de apoio a pessoas que não foram sequer ouvidas, não querem ser “apoiadas” daquela forma e foram altamente prejudicadas desde o dia 30 de Julho. A expropriação de um terreno privado declarando a sua utilidade pública é o último recurso que uma instituição do Estado deve tomar, sobretudo quando os donos do terreno até querem utilizar verbas próprias para a utilização pública do seu negócio, ali implantado. E o que é “interesse público”? É retirar das mãos de privados um terreno com uma localização privilegiada, utilizar dinheiros públicos e comunitários (mais de 3 milhões de Euros, ao que parece!) para construir ali um autêntico “centro comercial do surf” – vejam o projecto – e depois concessionar a sua exploração novamente a privados?... que privados? Qual é a legitimidade disto e, já agora, o “interesse do público”? Quem é o “público” em Ribeira d’Ilhas? Mas já alguém tentou perceber se a estrutura da praia comporta os “milhares” de utentes que dizem querer servir com a “nova” estrutura? Já alguém explicou o que vai acontecer ao curso da ribeira que ali corre para o mar e que implicações a alteração do seu curso terá na formação das ondas? O exemplo da Foz do Lizandro (ou, noutro concelho, da Costa de Caparica!) não chega, com uma praia descaracterizada e igual a tantas outras por essa Europa fora? Será que não entendem que o que os turistas que nos visitam procuram é precisamente esse lado “pitoresco”, diferente e não uniformizado, diferente das centenas de praias por essa Europa fora, todas iguais entre si? Pelos vistos não, se olharmos para a forma como a Ericeira foi devorada por betão! Não deixa de ser curioso ler a acta, pública, da Assembleia Municipal que decretou a utilidade pública daqueles terrenos privados e verificar que, na mesma reunião, foi decretada a eventual alienação de terrenos públicos (uma parte do parque de campismo dos Mil-Regos) para a construção de um hotel de cinco estrelas… privado, claro! 


Tudo na maior das legalidades! E pergunto eu… precisamos nós de leis assim? E de políticos assim, que não entendem a mais valia que têm em mãos e preferem dar cabo dela? Ou será que entendem e tudo isto é feito com uma intenção específica?... será que estão a matar a “galinha dos ovos de ouro” propositadamente? Não quero acreditar! Espero que seja apenas falta de conhecimento…

Aguardo atentamente a actuação da justiça em relação a este caso, mas não me parecem óbvias as boas intenções da Câmara Municipal de Mafra neste assunto, no que ao surf diz respeito. Não vejo o mesmo tipo de actuação, por exemplo, na Câmara Municipal de Peniche ou na da Nazaré. Muito pelo contrário! Estes autarcas sabem que o poder não é eterno e que o surf é a grande mais valia que ali têm. Não estou a ver a Câmara de Peniche, por exemplo, a tentar expropriar o Surf Castle ou a Ilha do Baleal inteira, mesmo que tivesse a possibilidade de utilizar milhões de Euros do QREN para obras de “melhoramento”. É a diferença que faz saber ouvir, escutar quem todos os dias está embrenhado no assunto em causa. E o que deixa Peniche completamente cheia de turistas/surfistas durante todo o ano.
Mas o que mais me entristece é a quase total ausência de tomada de posição pública de entidades que deviam ser as primeiras a fazê-lo! Salvo a meritória voz de três dos guardiões da Reserva Mundial de Surf e da Save the Waves Coalition, que mostraram estar em desacordo e atentos ao desenrolar da situação em Ribeira d’Ilhas, nenhum dos clubes locais – supostamente representantes dos principais interessados, da comunidade – tomou uma posição. Quem cala, consente! Até o nosso melhor surfista de todos os tempos – Tiago Pires – arranjou tempo para, no meio do seu calendário apertado, tornar pública a sua opinião sobre o assunto. Goste-se ou não dela, é pública! Porque Tiago sabe que é uma figura pública e que a sua voz é ouvida/desejada! Já o Ericeira Surf Clube e a Associação dos Amigos da Baía dos Coxos estão há mais de um mês para tomar uma posição, o que só revela que algo vai mal no reino da Ericeira!... afinal a comunidade parece pouco unida, ou se calhar a situação não é consensual... ou será que os clubes representam de facto toda a comunidade?... escudando-se atrás de um argumento falso – o de que se tratam de interesses privados – não entendem que o que está em causa é a sobrevivência do surf na Ericeira e do “North Shore” da Europa como Reserva Mundial de Surf! Toda esta situação diz respeito ao surf nacional, sim! (E aqui, também gostava de ver uma posição oficial assumida pela Federação Portuguesa de Surf, pela Associação Nacional de Surfistas e pela Associação Portuguesa de Bodyboard) Porque perante os factos, não há argumentos que resistam – a voracidade do betão só vai parar quando tiver toda a falésia Norte de Ribeira d’Ilhas construída e um condomínio de luxo em frente aos Coxos, com acesso privativo e exclusivo! E aí, meus amigos, como nos activos do país que estão a ser desbaratados em praça pública, será tarde demais!

Está na hora de toda a comunidade das ondas se unir, de agir como tal e de dar um murro na mesa, exigindo clarificação, bom senso e ser ouvida no que respeita à Reserva Mundial de Surf, cujo real funcionamento está, até hoje, um ano depois de ter conquistado esse título, longe de ser claro. É a hora de nos unirmos e de tomarmos uma posição no que às nossas vidas diz respeito. Sim, porque isto diz-te tanto respeito a ti como a mim! E porque o preço a pagar pelo nosso não envolvimento com algo que nos é intrínseco é sermos liderados por outros, menos capazes e conhecedores do meio. E isso é insuportável, pois a ignorância é a pior das conselheiras. Está na hora de agir!

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Psicotécnicos que falham

A notícia sobre o crime da inspetora da PJ de 36 anos, confirma-me a certeza de que os exames psicotécnicos feitos aos candidatos que entraram nesta polícia não são, de todo, adequados. Aliás, muitos dos que passaram em todos os outros exames, chumbaram nestes ditos psicotécnicos. O tempo dá-me razão.
Uma das perguntas feitas aos candidatos é se estão prontos a abdicar dos seus princípios em nome da Polícia. Não são explicitados quais os princípios que têm de ser "atropelados". E têm alguns princípios os que esquecem a educação familiar e escolar em nome de uma qualquer instituição?


Também devem ser revistos os psicotécnicos apresentados em tribunal para fundamentarem casos de inimputabilidade. A maioria dos loucos e incapacitados continua à solta até matar alguém....





A inspetora da Polícia Judiciária (PJ) suspeita da morte de Filomena Gonçalves, avó do seu marido, vai ser ouvida hoje em tribunal. A mulher, de 36 anos, terá roubado uma arma das instalações da Polícia Judiciária do Porto e disparado 13 a 14 vezes sobre a mulher, de 82 anos, antiga comerciante no mercado municipal, numa altura em que ela  estava sozinha, em sua casa., na zona de Celas. Como não atendia o telefone, familiares e vizinhos deram o alarme.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Morte matada de O Figueirense



Quer-me parecer que a morte matada do Jornal Figueirense tem muito a ver com a gestão mal orientada do Grupo Amorim em relação ao Casino da Figueira. Começou por retirar o Nicola com a sua esplanada aos fiéis do Bairro Novo e acabou a cortar os laços da população não jogadora mas 'festeira'....eu, que ia às garraiadas do Casino, dancei rock nas matinés ao domingo, me mascarava nas festas de Carnaval e mostrei os meus primeiros vestidos de cocktail da bisavó no Casino e escapava, com os amigos de sempre, até aos shows mais adultos da velha boite do tempo dos velhos mitos...eu que cantei com o Zé António Bracourt no palco do Salão Nobre (onde atuava desde o Jardim Esciola João de Deus até â Festa de Finalista do Liceu)  e escrevi crónicas e mais crónicas no Figueirense, estou triste. Deixo mesmo um voto de pesar e de revolta neste espaço público pelo rumo que as coisas tomam. A continuação da presença do Casino na Figueira tem de ser discutida em solo neutro. O centro da cidade não pode ser desbaratado por quem rompe com a história da cidade e tão pouco dá em troca. O Grupo Amorim deve provar o contrário e passar a ser mais participativo. Se ninguém dá nada a ninguém porque é que só vai buscar o dinheiro dos jogadores sem retribuir à população?
Lembro ainda que o I Congresso Nacional de Jornalistas, que a organização a que eu presidia organizou, no Casino,coberto por todos os Media, no início da década de 90 foi feito com o patrocínio da Sociedade Figueira Praia...em 2012, os jornalistas e os leitores são tratados como empecilhos. Já antes, a autarquia e o Casino tinham feito o mesmo ao festival de Cinema e continuam a fazer o mesmo ao espólio do Zé Poeta sobre o mesmo. Depois acabaram com as salas, o piano bar... O dinheiro do jogo não pode ir para os mesmos bolsos de sempre. Os figueirenses estão desanimados e é quase Natal! 



O editorial que não queria fazer com a notícia que não queria dar
Editorial de 23.11.2012 do Jornal O Figueirense

A administração da empresa proprietária deste semanário comunicou-me a interrupção da publicação de «O Figueirense» no final do corrente ano, ou seja, o último número desta série será o de 28 de dezembro.
Entendi que não poderia deixar de o comunicar aqui, ainda que não me seja cómodo ser eu a fazê-lo, nem me sinta confortável por ficar associado ao encerramento de um semanário quase centenário.
Entendo que era minha obrigação fazer esta comunicação porque nem que tivesse apenas um leitor – a minha mulher… – era devida a explicação e o aviso prévio.
Ora eu tenho deveres para com os leitores, assinantes e colaboradores, e não posso esquecer todos aqueles que aqui anunciaram, ajudando à sustentabilidade da edição.
Pois cá está a notícia que não quera dar: a da morte anunciada de «O Figueirense» para 28 de dezembro!
Dir-me-ão que, como as pessoas, as publicações nascem e morrem e acrescentarão, citando o meu último editorial, que é a vida!
Será, mas ainda assim terá de haver uma razão.
A razão que me foi transmitida foi de natureza financeira. E eu só posso acreditar e só tenho razões para acreditar que a razão é financeira e, como sempre referi à administração, os números são números, não os discuto.
Mas que outra razão poderia ser?
Se acaso fosse a linha editorial, se se quiser, a linha dos meus editoriais, então teria bastado um sinal, um simples sinal, para que eu saísse espontânea, leal e imediatamente pela porta por onde entrei. Eu ando sempre com as chaves do carro no bolso…
Se acaso fossem as eleições autárquicas que por aí vêm, eu teria lembrado que passei por três eleições sem uma nota de reparo, nomeadamente nas autárquicas de há três anos, com elogio de ganhadores e perdedores e até público louvor de um dirigente distrital do Bloco.
Quero aliás referir aqui, expressa e formalmente, que eu só tenho uma agenda, qual seja, no plano jornalístico, a dos leitores e, como diretor, a do acionista.
Por isso, ao contrário do que me foi sugerido e até recomendado, me mantive afastado dos poderes vários, do convívio e dos afetos – exceto daqueles que já eram os meus, pois sou de fidelidades e da lealdade! – que um dia, inevitável e inelutavelmente, cobram ou, pelo menos, condicionam.
Agora, sim, vou andar por aí livre como o passarinho a que abriram a porta da gaiola…
As razões deste encerramento só podem ser, pois, as financeiras.
Como há não muito referiu Marcelo Rebelo de Sousa “já se deu a morte da imprensa regional e local e está a dar-se a morte acelerada da imprensa escrita”.
(Triste) sinal dos tempos.
Joaquim Gil - Diretor

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Foto do Glorioso Peninsular/Casino da Figueira


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Manuel Pina por Pepe em castelhano



MANUEL ANTONIO PINA 1943 - 2012
 "AMOR COMO EN CASA"
 
Vuelvo despacio a tu
sonrisa como quien regresa a casa. Hago
de cuenta que
no es nada conmigo. Distraido recorro
el camino familiar de saudade,
pequeñitas cosas me sujetan;
una tarde en un café, un libro. Despacio
te amo a veces de prisa,
mi amor, y a veces hago cosas que no debo,
retorno despacio a tu casa,
compro un libro, entro en
amor como en casa.
 
" EL MIEDO "
 
Nadie me robará algunas cosas,
ni sobre ellas sabréis transigir;
un pequeño muerto muere eternamente
en cualquier sitio de todo esto.
     Es su muerte que yo vivo eternamente
     quien quiere que yo sea y el sea.
     Mis palabras vuelven eternamente
     a esa muerte
     como, inmovil, al corazón de un fruto.
Seré capaz
de no tener miedo miedo de nada,
ni de algunas palabras juntas  ?

 Traducción de José Miguel Santolaya Silva