Estas últimas semanas foram intensas: Mandela morreu.
Esperávamo-lo há muito tempo, mas sabíamos que havia um mundo de coisas a lembrar, uma vida que se cruzou com múltiplas vidas como se de fios de sol se desfizesse um novelo de luz na terra, afetando-nos, recordando-nos o tempo que perdemos estupidamente quando podíamos estar a fazer um ínfimo do que fez Madiba.
A propósito dele, lembrámos muito o Dalai Lama e Ghandi, procurávamos comparações como cegos à procura de impressões tácteis do que é um isolamento, do que é ser apartado de todos, da família, dos seus, dos correlegionários...partir pedra numa mina....descalçar-se como Ghandi e pregar a paz face à violência do inimigo ou fugir de noite do Tibete, para garantir a sobrevivência dos tibetanos.
Exausta, aproveitei uma semana para nadar diariamente na espetacular piscina do Paião e acabei a comer moamba com dois amigos de infância, num acaso fantástico, risonho, descontraído. Comer com as mãos lembrou-me a Angola que percorri na esperança das eleições, no pós-eleições, em guerra e mais guerra e mais guerra ainda.
E, de repente, morre o Eusébio. Não foi assim nada que não temêssemos, devido aos problemas de saúde, mas era algo que negávamos. Ele não podia, simplesmente não podia.
Conheci-o quando ele guiava um Mercedes verde clarinho, no Bairro Alto, era eu estudante de Direito e a boémia começava ali. Ficámos amigos para a vida e assim, quando em 1996 um mafioso das Tríades chinesas me "pediu" uma fotografia dele com o Eusébio, tremi um bocadinho mas lá consegui: o Eusébio estava em Macau para um jogo de veteranos portugueses contra veteranos de Macau ( ainda sob admninistração de Lisboa). dançámos um merengue para eu poder falar-lhe ao ouvido e combinar o encontro para as 8 da manhã com o "veterano". Pedi-lhe tanto que não ficásse até tarde. Ele prometeu e cumpriu. Recebi a confirmação à 9 horas (a minha presença foi dispensada):: a fotografia tinha sido feita e a minha entrada livre na China foi assegurada.
Todos os que se cruzaram com Eusébio sabem que ele movia montanhas com aquele sorriso e aquele "o que é que é preciso fazer?"
Para nos alegrar, apesar das lágrimas, Cristiano Ronaldo limpou a embaciada alma de todos os portugueses, orgulhou-nos da pertença a esta nação em que Eusébio e Madiba fazem parte do discurso de agradecimento à família e colaboradores.
Sem pioneiros e líderes exemplares os grupos rebelam-se com menos força, não vão tão longe, não superam a própria humanidade para se elevarem a um nível maior.
E agora, devagarinho, todas as semanas, o Papa Francisco vai-nos surpreendendo a desatar os nós desta corda tão enrodilhada que é a da esperança na Igreja Apostólica Romana.