terça-feira, 17 de março de 2009

vida



A minha sobrinha Yumiko comove-me. Estar com ela e com a minha filha em simultâneo, ver amigos e família....deixa-me um fresquinho de morangos e limão na boca.Fico com força para ir onde o espírito imaginar e ser mais rápida do que a luz que me rebela e alimenta.

domingo, 15 de março de 2009

Sobre a morte dos heróis sem tempo:

Estão a mexer no nosso rebanho, disse uma amiga num funeral emotivo em que participaram milhares de pessoas. Nunca tinha visto a coisa assim e não me sai da cabeça, a expressão. Quando "mexem no nosso rebanho" ficamos zangados e confusos.

Corvo ou Zé Búzio e Zé Gémeo....herói sem tempo

Lembras-te, Zé, quando o Cardosão serviu o perú recheado que trouxémos da quinta de meu pai com requintes de malvadez? Praia fora...glu glu glu que não pode sufocar com tanta aguardente, tadinho? O porta-bagagens do carro aberto enquanto deslizava ao longo da praia, para sua excelência vir cair e uns cinco marmanjos loucos à volta do animal gurgurujando glugluglu....era uma aguardente velha e peras, que também vinha da adega de família e fora provada por todos para terem a certeza de que dava carne tenra. Glu Glu.
O Chico da Goretti a cozinhar o aprumo do recheio, o Corvo a polir as pratas, o Mau a desfazer-se em gentilezas para que todos tivessem o que necessitassem....e o Cardosão de pano de linho branco no braço, travessa de prata com perú recheado e alguém ao fundo da mesa a fumar um cachimbo de água. Todos de guardanapo de linho a benzer a vida que nos era tão leve...A carninha boa e tenra, a companhia boa, os vinhos velhos e aguardentes mais ainda a concavarem os murmúrios, a aconchegarem a voz e a indisciplinarem os segredos.
Não sabíamos ainda o que cozinhar com tantos ingredientes; as ervas, os bichos, arranjar os bichos, amaciá-los e prepará-los para dar um sabor diferente em qualquer cozedura. Fizémo-lo à experiência. Como se tivessem largado diferentes Karts da linha de partida. Ás quatro da tarde, os meus amigos tinham todos percebido quem iria para hotelaria e turismo e eu estava a leste de qualquer rivalidade.
A digestão fez-se, depois de arrumado o salão , a copa e a cozinha, com uma corrida pelas Abadias...Os Zés chegaram primeiro.Pelo caminho o Corvo perdeu os óculos de sol que eu tanto lhe gabara. Uns anos depois perguntei-lhe se estava mesmo convencido de que eu tinha ficado com eles. Sorriu...sorriu muito e disse: glu glu. Glu glu glu.

sábado, 14 de março de 2009

quinta-feira, 12 de março de 2009

José Mendonça - herói sem tempo


Mesmo na guerra, conheci amigos do Zé, do tempo do Paris-Dakar, que me incumbiram de dar notícias de muitos "dos dele". Eram (e são) motoristas de alto risco, conduziam camiões debaixo de fogo para levar víveres e água potável a zonas cercadas, sitiadas. Eram pilotos por obrigação, motards por gosto, aventureiros por vocação. Trouxe fotografias de alguns - um tinha trazido um jipe blindado para a BBC, para Sarajevo, e deu-me boleia até Split no velho e escavacado Land Rover que tinha de conduzir, em troca, até Berlim. "Furámos" dois 'check points' e cravaram-nos 21 projécteis no veículo....acabámos a fotografarmo-nos um ao outro para mostrar ao Zé que não era ele, apenas, que sobrevivia a assaltos a tuaregues e quedas de moto no deserto. Por focar isso...as crónicas do Zé, no 'Público', e a defesa dos tuaregues, ficaram na memória de todos os defensores de ´minorias e causas justas.
O Zé já era nosso herói desde o postal de Natal em que se vestiu de anjo com o Toninho Azevedo e o Miguel Sousa Machado (ou o Nuno Pereira?)... tenho o postal na minha biblioteca e hei-de encontrá-lo. Sei que, para fazerem a foto, foram de patins numa época em que ninguém usava patins. Pelo menos foram ao Nora, em Coimbra, vestidos de anjinhos e com um olho negro cada um.
Ninguém falava do meu irmão Zé Mau com a ternura com que ele falava. Ao Zé Mau Sotto Maior, o Mendonça referia-se como o Mau... e contou-me que só havia três Maus no país: o meu, o Mau, e o de Évora. E quando se juntaram os três, ficou na memória colectiva ...
Eram cowboys, sim, eram dos primeiros Enduros do país e todos fizeram buracos nos joelhos. O Zé Mendonça foi o pioneiro da organização...o puto Zé Mau um primeiro concorrente..
Quando os joelhos do Zé Mendonça se recusaram às motos no deserto, teve a "suprema lata" de dizer que estava a experimentar o pára-pente.
Além do engenheiro, do vinicultor excelente, do homem ímpar, Mendonça era luz...os olhos dele, a gentileza, o sorriso ... aliás, o olhar agrafava o interlocutor com brilhos que só podiam vir da sabedoria do deserto, de quem teve sede e percorreu um imenso caminho.
Para quê falar no passado?
A minha filha Marta faz anos na sexta-feira e acabo de comprar um bom Utopia - 2003 para bebermos ao jantar. De aperitivo temos um Rosé Quinta dos Cozinheiros. Bem Hajas, Zé.
PS: tinha de ser a acelerar....

A Amiga João