quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Games of Thrones

É grande a carga
pesada
penso que deves 
temes
e carregas onde falhas
amortecemos
sem velarmos
o que te mata
sem senso
nessa batalha
protegemos-te
e tu descarrilas como
se um vagão te atropelasse
na nossa estrada.

Heróis Sem Tempo - Judite Sá Pereira de Sousa




Pensei descontinuar este blog muitas vezes, nos últimos anos. Desapeteceu-me escrever, revolucionária e exigente como fui, e parecia servir-me do meio como se de um muro de lamentações se tratasse. Não me aprazia de todo... A série dos Heróis Sem Tempo não acaba (gostaria que sim...). Sarajevo continua, 21 anos depois, com todos os traumas dos sobreviventes que me escrevem e dos grupos com quem mantenho algum intercâmbio. Não sei o que se vai passar, se descontinuo ou não.
Mas hoje, mais uma vez, um Herói sem Tempo partiu para o jardim daqueles onde ainda não chegamos e, por isso, não podemos descrever.
Mas, garanto-vos que esta heroína, a quem chamávamos Mandaleta (termos açorianos, inventados, japoneses mal amanhados, abaixo de gererala, tá bem de se ver) merece que a lembrem.
Foi diretora de uma escola de surdos mudos - quando o marido, continental de Castelo Branco, a conheceu. O amor foi tão evidente e profundo que os meninos e meninas o esperavam (quando ele a ia buscar) para lhe ensinarem a  linguagem essencial, depois da mímica.
O Quim, bom garfo, bom companheiro, contáva-nos estas histórias com os olhos brilhantes de amor.
Antes de ir jantar lá a casa passei, com a Judite, na nossa casa da Rua de Lisboa 19 e o isqueiro com que alumiava a falsa (sotão) saltou e estourou.
Regressei à Universidade a Lisboa e ele morreu, aos 40 anos, depois desta tempestade estranhíssima em que a eletricidade foi abaixo em toda a Ponta Delgada.
Sonhei com ele, antes. Tinha-me fritado uns carapauzinhos frescos e tinha tido os amigos à minha espera em Ponta Delgada a uma segunda-feira.
Os voos tinham sido anulados e tive direito a carapaus de escabeche à chegada, na quarta, porque não éramos esquisitos. Importante era estarmos juntos.
Lembro-me imenso do jardim e dos coelhos anões, angorás, giríssimos.
Hoje, aqui em Lyon, França, depois da chuva quase tropical e de uma humidade pesada, dei por mim a arrancar ervas no meu microparaíso e a dizer à "Noisette" (coelha) que o Quim não iria gostar de tanta erva a crescer assim à parva. E a Judite...aquela que trouxe, através dos filhos (Beatriz e o António Joaquim), a memória dos bons tempos, da energia dos vulcões e da lenda das Sete Cidades, assim como aos meus amigos, a quem enviei de visita como se fosse o "Papa do Vaticano dos Açores" (que me desculpe o nosso amigo Mota Amaral, colega da Mãe), dessa ilha em que ela foi o maior vulcão de energia impulsiva para quem ia caindo, de doença, depressão, viagens de amor ou velhice.



A Judite, profundamente minha, profundamente açoriana, gostava dos percebes da Figueira (mesmo doente, o Buzz, amigo Pereira da Fonte, e sua adorável Mãe arranjavam maneira para tudo arranjar, ou os amigos da minha filha pescavam os percebes, e gostava de maracujá, figos, ananás e queijo fresco. O Buzz chegou a trazer os melhores maracujás do quintal da  casa..
A última vez que saí com ela, a Nara e o João, para ver o nosso Migues (Miguel Borges, na inesquecível interpretação na peça "A Morte de Danton", no D. Maria II, de Georg Büchner), bebemos ginginha e fomos, a seguir ao caldo verde e ao tinto.
A vida é assim, Judite. É hoje. E eu amo-te com a força com que o sangue me corre nas veias: até à exclusão de tudo o que tiver no corpo. A alma, afinal, somos nós todos, os amigos, a família, os animais e a relva. Do meu microparaíso apenas não vislumbro o teu...é só.







quinta-feira, 1 de agosto de 2013

BCE explicado aos simples mortais


Então, se o BCE é o banco destes Estados pode emprestar dinheiro a Portugal, ou não? Como qualquer banco pode emprestar dinheiro a um ou outro dos seus accionistas.

- Não, não pode.

Porquê?!

- Porquê? Porque... porque, bem... são as regras.


Então, a quem pode o BCE emprestar dinheiro?

- A outros bancos, a bancos alemães, bancos franceses ou portugueses.


Ah percebo, então Portugal, ou a Alemanha, quando precisa de dinheiro emprestado não vai ao BCE, vai aos outros bancos que por sua vez vão ao BCE.

- Pois.

Mas para quê complicar? Não era melhor Portugal ou a Grécia ou a Alemanha irem directamente ao BCE?

- Bom... sim.... quer dizer... em certo sentido... mas assim os banqueiros não ganhavam nada nesse negócio!

Agora não percebi!!..

- Sim, os bancos precisam de ganhar alguma coisinha. O BCE de Maio a Dezembro de 2010 emprestou cerca de 72 mil milhões de euros a países do euro, a chamada dívida soberana, através de um conjunto de bancos, a 1%, e esse conjunto de bancos emprestaram ao Estado português e a outros Estados a 6 ou 7%.


Mas isso assim é um "negócio da China"! Só para irem a Bruxelas buscar o dinheiro!

- Não têm sequer de se deslocar a Bruxelas. A sede do BCE é na Alemanha, em Frankfurt. Neste exemplo, ganharam com o empréstimo a Portugal uns 3 ou 4 mil milhões de euros.


Isso é um verdadeiro roubo... com esse dinheiro escusava-se até de cortar nas pensões, no subsídio de desemprego ou de nos tirarem parte do 13º mês.

As pessoas têm de perceber que os bancos têm de ganhar bem, senão como é que podiam pagar os dividendos aos accionistas e aqueles ordenados aos administradores que são gente muito especializada.


Mas quem é que manda no BCE e permite um escândalo destes?

- Mandam os governos dos países da zona euro. A Alemanha em primeiro lugar que é o país mais rico, a França, Portugal e os outros países.

Então, os Governos dão o nosso dinheiro ao BCE para eles emprestarem aos bancos a 1%, para depois estes emprestarem a 5 e a 7% aos Governos que são donos do BCE?

- Bom, não é bem assim. Como a Alemanha é rica e pode pagar bem as dívidas, os bancos levam só uns 3%. A nós ou à Grécia ou à Irlanda que estamos de corda na garganta e a quem é mais arriscado emprestar, é que levam juros a 6%, a 7 ou mais.

Então nós somos os donos do dinheiro e não podemos pedir ao nosso próprio banco!...

- Nós, qual nós?! O país, Portugal ou a Alemanha, não é só composto por gente vulgar como nós. Não se queira comparar um borra-botas qualquer que ganha 400 ou 600 euros por mês ou um calaceiro que anda para aí desempregado, com um grande accionista que recebe 5 ou 10 milhões de dividendos por ano, ou com um administrador duma grande empresa ou de um banco que ganha, com os prémios a que tem direito, uns 50, 100, ou 200 mil euros por mês. Não se pode comparar.

Mas, e os nossos Governos aceitam uma coisa dessas?

- Os nossos Governos... Por um lado, são, na maior parte, amigos dos banqueiros ou estão à espera dos seus favores, de um empregozito razoável quando lhes faltarem os votos.


Mas então eles não estão lá eleitos por nós?

- Em certo sentido, sim, é claro, mas depois.... quem tem a massa é quem manda. É o que se vê nesta actual crise mundial, a maior de há um século para cá.

Essa coisa a que chamam sistema financeiro transformou o mundo da finança num casino mundial, como os casinos nunca tinham visto nem suspeitavam, e levou os EUA e a Europa à beira da ruína. É claro, essas pessoas importantes levaram o dinheiro para casa e deixaram a gente como nós, que tinha metido o dinheiro nos bancos e nos fundos, a ver navios. Os governos, então, nos EUA e na Europa, para evitar a ruína dos bancos tiveram de repor o dinheiro.

E onde o foram buscar?

- Onde havia de ser!? Aos impostos, aos ordenados, às pensões. De onde havia de vir o dinheiro do Estado?...

Mas meteram os responsáveis na cadeia?

- Na cadeia? Que disparate! Então, se eles é que fizeram a coisa, engenharias financeiras sofisticadíssimas, só eles é que sabem aplicar o remédio, só eles é que podem arrumar a casa. É claro que alguns mais comprometidos, como Raymond McDaniel, que era o presidente da Moody's, uma dessas agências de rating que classificaram a credibilidade de Portugal para pagar a dívida como lixo e atiraram com o país ao tapete, foram... passados à reforma. Como McDaniel é uma pessoa importante, levou uma indemnização de 10 milhões de dólares a que tinha direito.


E então como é? Comemos e calamos?

- Isso já não é comigo, eu só estou a explicar...